12/11/2024
Quase 90% dos brasileiros são a favor de restrições ao uso de celular em escolas, revela pesquisa
BELO HORIZONTE, MG - Uma pesquisa realizada pela Nexus
—empresa especialista em inteligência de dados— revelou que 86% da população
brasileira é a favor de algum tipo de restrição ao uso de celular dentro das
escolas. O estudo ouviu 2.010 pessoas em todas as regiões do país, e revela que
mais da metade da população (54%) é favorável à proibição total do uso dos
aparelhos em escolas, enquanto outros 32% acreditam que eles devem ser
permitidos apenas em atividades pedagógicas, sob supervisão dos professores. Entre os entrevistados mais jovens, de 16 a 24 anos, 89%
apoiam algum nível de restrição, ainda que menos da metade (46%) defenda a
proibição total. "Nove em cada dez jovens reconhecem que o uso
indiscriminado dos celulares tem atrapalhado o desempenho escolar", aponta
Marcelo Tokarski, CEO da Nexus. Dentre os mais velhos, 32% dos acima de 60 anos e 31% dos
que têm entre 25 e 40 anos preferem uma proibição parcial. Nesta última faixa
etária, o percentual mais que dobra quando a opção é a proibição total, a
escolha de 58% dos entrevistados. Entre os brasileiros de 41 a 59 anos, o
percentual é de 27%. A distribuição regional, por sua vez, revela variações
sutis, com o apoio mais alto vindo da região Sul (93%) e o mais baixo do
Sudeste (83%), ainda que ambos os índices indiquem ampla aceitação da medida. O estudo também aponta que não há diferença de opinião entre
quem convive ou não com crianças em idade escolar. "Nosso pressuposto era
de que quem não tem filho, não vive com criança e adolescente, poderia estar
mais distante dessa discussão. O que surpreende é que exatamente os mesmos 86%
favoráveis à proibição são vistos nos dois perfis", aponta Tokarski. Ele lembra que o brasileiro lidera o ranking de tempo em
frente às telas de smartphones e computadores. Em média, 5,6 horas segundo a
pesquisa internacional Digital Global Overview Report, da DataReportal,
divulgada no ano passado. “Se a média do brasileiro é uma das mais altas do
mundo, a gente pode pressupor que a média dos jovens e da criança brasileira, é
ainda maior. E isso começa a surgir como uma preocupação das escolas, das
autoridades e até dos próprios jovens”, avalia. Na visão do CEO da Nexus, a opinião pública favorável ao
controle do uso dos celulares nas escolas reflete o avanço no entendimento
coletivo sobre os riscos associados ao uso excessivo das tecnologias digitais,
especialmente em um momento em que o desempenho acadêmico já sofre com os
efeitos de uma transição massiva para o ensino remoto na pandemia. "O
importante aqui não é que o brasileiro é contra o celular ou está demonizando
as redes sociais. Não se trata disso, é um entendimento de que o uso indiscriminado
do aparelho, não para atividade pedagógica, tem tirado a atenção das crianças e
prejudicado o aprendizado", avalia. À medida que a renda ou a escolaridade dos entrevistados
sobe, a aprovação a proibição do celular também cresce. Segundo o levantamento,
quanto mais alta a renda, mais as pessoas são favoráveis à proibição: 67% da
população com renda superior a cinco salários mínimos acreditam que os
celulares deveriam ser totalmente proibidos. Na parcela da população com até um
salário mínimo, 83% são a favor de algum tipo de restrição ao uso de celular
nas escolas. O mesmo acontece quando se avalia a escolaridade. Entre os
entrevistados com ensino fundamental completo, a aprovação é 82%. Ela sobe para
87% no Ensino Médio e vai para 93% entre aqueles que tem ensino superior. “Isso
indica que essas pessoas estão tendo mais acesso à informação. Há vários
estudos divulgados recentemente sobre prejuízo do celular para as crianças e
acho que isso foi formando nas pessoas essa opinião de quem é preciso algum tipo
de medida para se combater o exagero no uso do celular”, analisa Marcelo. Debate nacional A proposta de restrição ao uso de celulares nas escolas, em
discussão na Câmara dos Deputados, inclui proibições durante os intervalos e
veda o uso para estudantes de até 10 anos. O projeto de lei (PL) 104/2015,
aprovado pela Comissão de Educação em 30 de outubro, agora segue para análise
conclusiva na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, embora ainda
não tenha data para votação. O texto proíbe o uso de celulares em todo o ambiente escolar
para alunos da educação básica, fundamental e média, tanto em instituições
públicas quanto privadas. Estudantes a partir de 11 anos poderão usar os
aparelhos apenas em atividades pedagógicas, com autorização dos professores, ou
em casos específicos de acessibilidade, como para alunos com deficiência que
utilizam tecnologias assistivas. Se for aprovado na Câmara, o projeto será
encaminhado para o Senado. A lei, entretanto, não é novidade para os mineiros. Em Minas
Gerais, uma normativa de 2018 já regula o uso de celulares nas escolas apenas
para fins pedagógicos, embora na prática a realidade seja mais flexível. Professores relataram ao Estado de Minas dificuldades para
aplicar a regra de forma rigorosa, devido à falta de diretrizes claras e ao
temor de repreensões legais ao confiscarem os aparelhos dos alunos, sem o
respaldo da Secretaria Estadual de Educação. Controlar o uso dos celulares
frequentemente depende de acordos diretos com os estudantes, o que muitas vezes
falha em conter o uso indevido. Disputa pela atenção em casa e nas escolas Pais e educadores alertam que a proibição também é uma forma
de recuperar a atenção plena dos estudantes para o ambiente escolar,
comprometida pela tecnologia em sala de aula. O servidor público Sandro Abreu,
de 51 anos, é categórico em seu posicionamento a favor da proibição total dos
celulares nas escolas. “Chega a ser um trabalho hercúleo de tentar segurar o
celular na mão desses meninos”, afirma. Pai de Francisco, de 12 anos, Sandro viu a entrada do filho
no mundo digital de perto, durante a pandemia, quando o isolamento social o
levou a abrir mão de seu próprio planejamento e ceder a necessidade do filho em
ter um celular. "Era a única forma que ele tinha para se comunicar com os
colegas", conta. Mas, passado o período crítico da pandemia, a decisão
revelou um custo alto. "Desde então, não conseguimos mais voltar atrás, já
tinha o celular na mão então, se acostumou. É uma luta diária, um esforço
enorme para impor limites. Se não for assim é o dia inteiro pendurado no
celular", desabafa. Para ele, o problema vai além da sala de aula: o
celular está moldando, e talvez prejudicando, uma geração. “Os meninos ficam
dependentes, e não conseguem fazer nada sem o celular. Hoje, até para assistir
a um filme, eles se distraem rápido demais”, avalia. Ele defende que a escola seja um espaço para "a vida
real" e lamenta o impacto comportamental e social do aparelho. "No
intervalo, se têm acesso ao celular, não interagem entre si, não brincam, não
se movimentam. Parece que o aparelho os suga para um mundo paralelo",
reflete Sandro, que, em tom firme, acrescenta: "Essa proibição nas escolas
vem, inclusive, tardiamente”. No ambiente escolar, Beto Andrade, professor de ensino
fundamental e médio há 17 anos, descreve a dificuldade de manter a atenção dos
alunos em meio ao bombardeio digital que eles carregam no bolso, a qual ele
descreve como “o câncer”, em tom de brincadeira. "Os alunos mais jovens,
principalmente, ainda não têm a maturidade para entender como o celular é
prejudicial, que gera ansiedade, que eles perdem a atenção. E tentar convencer
o adolescente de que aquilo faz mal para ele, muitas vezes, você acaba saindo
como chato. A gente querendo ou não, tem que recorrer a proibição. Quando vem a
ordem de cima para baixo, eles (alunos) simplesmente tem que acatar”, afirma. Em uma das escolas onde leciona, Beto já vê uma tentativa de
controle: os alunos são obrigados a depositar seus celulares em uma caixa na
mesa do professor no início da aula. “No intervalo, eles podem checar as
mensagens, mas precisam devolver o aparelho em seguida", explica. Desde
então, ele percebeu uma mudança significativa no rendimento dos alunos, que se
tornaram mais participativos nas aulas. “Eles começaram a se envolver mais, sem
aquela postura de ‘ah, depois eu jogo no celular e consigo achar tudo’”. Mas, por outro lado, sem o celular, ele observa os alunos
mais ansiosos e inquietos, agora que não tem mais a possibilidade de dar uma
espiadinha às escondidas logo que chega uma notificação. Além de prejudicar a
atenção, o uso constante do celular também tem afetado o rendimento dos alunos,
segundo o professor. Beto relata um aumento considerável nos casos de cola e na
dificuldade dos alunos em resolver questões sem o auxílio do celular.
"Antigamente era fácil controlar, o que tinha era um papelzinho no bolso,
uma borracha. Hoje, vão com celular e consultam a prova inteira, baixam o
gabarito inteiro e você não pode —e nem deve— revistar o menino", aponta. Ele também observa uma queda na habilidade dos alunos em
escrever e desenvolver ideias com clareza. "Já se acostumaram a não
precisar saber escrever ou pontuar as frases, porque o celular corrige para
eles. Você vai escrevendo no automático e o celular vai corrigindo",
argumenta. Para Sandro, uma proibição seria benéfica até mesmo para o
controle familiar, uma vez que reforçaria limites também fora do ambiente
escolar. Ele ainda questiona o impacto a longo prazo do que ele descreve como
uma dependência tecnológica, comparando o uso do celular a uma “bengala” para a
rotina diária. “Se o telefone acaba a bateria, o que eles fazem da vida? Não
paga uma conta, não sabe um caminho rotineiro sem usar o Waze. A gente está
ficando muito mal acostumado", critica, acrescentando que essa dependência
pode ser prejudicial ao desenvolvimento das habilidades e do senso de autonomia
dos jovens. Ambos, pai e professor, compartilham a visão de que o
controle do uso de celulares nas escolas é necessário, mas têm percepções
distintas sobre a viabilidade de uma proibição total. Enquanto Sandro acredita
que a medida deveria ser rígida, Beto pondera que uma proibição completa talvez
seja irrealista, especialmente nas escolas públicas, onde o controle e a
supervisão são mais difíceis de implementar. "Não tem o que discutir, todo
mundo que está na educação, seja professor ou coordenação, vê o quanto o
celular atrapalha o rendimento do aluno, a saúde mental. Acho que qualquer
tentativa de controlar o uso, não falo nem proibir, é bem-vinda”, analisa.
EM, com foto: Isac Nóbrega/PR
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