12/08/2024
Apostas nas “bets”comprometem orçamento de famílias de menor poder aquisitivo
BRASÍLIA, DF - O gasto com apostas esportivas em plataformas
online, as bets, está impactando o consumo de mercadorias e serviços, sobretudo
das classes socioeconômicas de menor poder aquisitivo, e afetam a percepção da
melhoria da economia brasileira, como o aumento da renda, do crescimento da
ocupação e o controle inflacionário. A avaliação é da empresa PwC Strategy& do Brasil
Consultoria Empresarial Ltda, ligada à multinacional de auditoria e assessoria
PricewaterhouseCoopers. De acordo com o economista e advogado Gerson Charchat,
sócio e líder da Strategy& do Brasil, os gastos com apostas esportivas “já
superam outros tipos de despesas discricionárias, como lazer, cultura e
produtos pessoais, e até mesmo estão começando a impactar o orçamento destinado
à alimentação. Esse desvio de recursos para as apostas exerce uma pressão
considerável sobre a demanda por produtos essenciais, afetando a dinâmica da
economia de forma geral.” As apostas esportivas em plataformas explodiram no Brasil
após a Lei nº 13.756 ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo
então presidente Michel Temer no final de 2018. Daquele ano a 2023, os gastos
com apostas aumentaram 419%. “Em 2018, as apostas representavam 0,27% do orçamento
familiar da classe D e E; hoje, esse percentual saltou para 1,98%, quase quatro
vezes mais do que há cinco anos. Por outro lado, os gastos com lazer e cultura
diminuíram de 1,7% para 1,5% do orçamento, enquanto os gastos com alimentação
se mantiveram estáveis”, conta Charchat em entrevista para a Agência Brasil. Ele alerta que as apostas esportivas cresceram de forma
expressiva e se tornaram uma fonte de gastos significativa, especialmente entre
os jovens dos estratos sociais de menor poder aquisitivo. “O fenômeno pode
gerar, inclusive, um aumento no endividamento entre a população de baixa renda,
o que pode trazer impactos negativos para o crescimento econômico do país.” A análise publicada da Strategy& do Brasil, baseada em
dados secundários, assinala que a percepção da população de dificuldades
financeiras cresceu cinco pontos percentuais entre 2022 e 2024. Hoje um quinto
dos brasileiros dizem enfrentar dificuldades para pagar as suas contas todos os
meses, ou não conseguem pagá-las na maioria das vezes. Renda comprometida Não há informação precisa sobre o número de empresas que
administrem plataformas no Brasil e nem o volume de dinheiro arrecadado no
negócio. Esses números só serão conhecidos após as bets obterem autorização do
Ministério da Fazenda para exploração comercial da modalidade lotérica de
apostas de quota fixa, e começarem a arrecadar tributos. Os impactos e efeitos sobre a economia já haviam sido
apontados pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Segundo
pesquisa de opinião feita para a entidade em maio, entre os que apostam, 64%
reconhecem que utilizam parte da renda principal para tentar a sorte; 63%
afirmam que tiveram parte da sua renda comprometida com as apostas online; e
23% deixou de comprar roupa, 19% itens de mercado, 14% produtos de higiene e
beleza, 11% cuidados com saúde e medicações. Para a economista Ione Amorim, consultora do programa de
serviços financeiros do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), “o problema
escalou” e além da dimensão econômica, há erros na regulamentação, efeitos
sociais e na saúde mental da população não estimados. “Hoje a gente já tem uma realidade de suicídio, de
destruição de lares, de endividamento, de pessoas que já perderam o emprego
porque já envolveram tudo que tinham. De doenças mentais extremamente graves
por conta dessas dependências, que leva a outra, quer dizer: a pessoa se
endividou, e se perdeu, vai do jogo para o álcool, do álcool para as drogas e
para o suicídio”, descreve Ione Amorim que já deu palestras sobre os impactos
das apostas online até mesmo nas Forças Armadas. Na avaliação da economista, a situação social e a
desinformação tornam o público mais pobre mais vulnerável a correr riscos em apostas. “Nós temos uma população com baixo nível de educação
financeira. As pessoas já têm dificuldade de lidar com a sua realidade, de
gastar dentro dos seus ganhos.” Para ela, a situação socioeconômica de algumas famílias leva
ao endividamento para garantir a sobrevivência, e as apostas se tornam um risco
atrativo para, ocasionalmente, obter recursos e quitar compromissos. Mas, segundo Ione é preciso estar atento: "o ganho
fácil vai levar a pessoa a um ambiente onde pode haver perdas significativas”, ressalta
a economista que também assinala que as apostas são intermediadas por sistemas
com algoritmos. “A pessoa está jogando contra uma máquina que foi
programada. Então, ela vai ganhar eventualmente, mas vai perder muito mais do
que vai ganhar.” PL 2234 Ione Amorim acrescenta que os efeitos econômicos, sociais e
de saúde mental ocasionados pelas plataformas eletrônicas de apostas esportivas
em plataformas online podem ser potencializados com a aprovação do Projeto de
Lei nº 2.234/2022, em tramitação no Senado, que autoriza a exploração em todo o
território nacional de cassinos, bingos, jogo do bicho e aposta em corridas de
cavalo. A aprovação do PL, assim como da lei que autorizou as
apostas nas bets, é defendida pela possibilidade de que os negócios gerem
emprego, renda e tributos que podem custear políticas sociais. No caso das
plataformas eletrônicas, em funcionamento há cinco anos, nenhum real foi
arrecadado. O recolhimento começará após autorização para exploração
comercial pelo Ministério da Fazenda. A outorga será concedida, depois de
avaliação técnica e legal, mediante o pagamento de R$ 30 milhões à União. O
prazo para obter a permissão é até o final do ano. A contabilidade de arrecadação de quem defende a legalização
dos jogos não deduz as perdas da tributação que estão ocorrendo em outros
setores em meio ao crescimento de gastos com aposta e também não dimensiona o
aumento de despesas do Estado com segurança pública e com atendimento à saúde
mental. Reportagem da Agência Brasil trata da potencialidade do
setor, de boas práticas, mas alerta para riscos de dependência. Leia aqui.
Gilberto Costa/Denise Griesinger, com foto: Joédson Alves – Agência Brasil
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