14/07/2024
Pesquisa aponta Brasil como pior país para identificar conteúdo falso e enganoso na internet
SÃO PAULO, SP - Brasileiros não sabem identificar conteúdo
falso e enganoso online. Em pesquisa realizada pelo instituto Truth Quest, o
Brasil obteve o pior índice entre 21 países. O relatório foi publicado em junho
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Resumo compilado pela consultoria Snaq mostra o Brasil em
último lugar quando é medida a capacidade de pessoas adultas identificarem se
uma notícia publicada online é verdadeira ou falsa, atrás de Colômbia, Suíça,
França e Estados Unidos. Finlândia, Reino Unido, Noruega, Irlanda e Luxemburgo
aparecem entre os cinco primeiros lugares como países com maior capacidade de
discernir conteúdo online falso e enganoso. Brasileiros entre os
mais enganados O resultado do Brasil é assustador: o país obteve o pior
índice. O gráfico mostra como somos suscetíveis à desinformação no ambiente
virtual. Para o antropólogo David Nemer, da Universidade de Virginia, é preciso
tomar cuidado ao analisar os resultados extraído do relatório. “O relatório não busca entender o porquê e para o porquê não
existe resposta fácil. Há, isso sim, determinadas correlações e características
em comum entre os países que aparecem nos últimos lugares. Há que considerar as
diferenças entre esses cinco países em relação ao comportamento de consumo de
informação nas redes. O Brasil, por exemplo, que está mais massivamente na
redes do que a Finlândia”, afirma. “Temos também lembrar que o Brasil nos últimos anos, pelo
menos os seis da ascensão da direita ao poder, incluindo os quatro anos da
gestão de Jair Bolsonaro, criaram um ambiente de muita descrença com a
imprensa. Ou seja, isso contribui para que as pessoas aqui não tenham a
percepção do que é verdade ou mentira’, diz Nemer. No caso específico do Brasil, Barciela, que é também
pesquisador da área de monitoramento e análise de redes sociais diz: “Esse é um
fenômeno muito típico do Brasil. Você tem um enorme volume de produção de
conteúdo, seja por portais de imprensa, seja por canais que se passam por
portais de imprensa, tanto os ligados ao bolsonarismo como ao campo da
esquerda, que emulam manchetes sensacionalistas ou mesmo falsas.” “Todos eles acabam contaminando tanto o ambiente, de tal
maneira que acaba sendo uma forma de censura”, continua. “O estado de campanha
constante no Brasil, com ofensivas da extrema-direita, teriam causado esse
índice da capacidade de adultos de identificarem se uma notícia online é
verdadeira ou não.” De acordo com Barciela, esse “estado de companha constante”
também se repete nos resultados da pesquisa entre norte-americanos e franceses.
“Acredito que tenha a ver também com períodos eleitorais e/ou estado de
campanha constante.” “Os Estados Unidos estão em
estado de campanha constante, assim como o Brasil, principalmente depois
daquela tentativa de golpe lá em janeiro de 2020, se não me engano, e agora
eles vão ter esse período eleitoral. Eles têm a questão da liberdade acima de
tudo, que também implica numa atuação um pouco mais rígida da justiça contra
esse tipo de conteúdo.” Quanto à França, que acaba de passar por dois turnos de
eleições legislativas “também, principalmente por estar em período eleitoral
com uma campanha muito forte da extrema direita. Ou seja, o que Brasil, França
e Estados Unidos teriam em comum é a “correlação entre esses países com o fato
de estarem em períodos eleitorais ou de campanha constante”, afirma. Nemer, autor do livro “Tecnologia do oprimido: Desigualdade
e o mundano digital nas favelas do Brasil” (editora Milfontes), reitera a
importância de procurar “os fatores culturais de um certo padrão de
comportamento. Entre os cinco últimos do gráfico, pelo menos Brasil, Colômbia,
França e Estados Unidos são países em que a ascensão de uma direita muito
reacionária criou uma demonização da imprensa, que tende a afastar os leitores
da informação.” Brasil, mostra a sua
cara? De acordo com Barciela, o ambiente de desinformação criado
pelas big techs no Brasil ajudou a desenhar esse cenário. “Lembro de uma
pesquisa que me marcou muito. A pesquisa questionava se, com o derretimento de
calotas polares que boiam no oceano, o nível do mar aumentaria. A pergunta foi
feita para pessoas bem informadas, progressistas, quase técnicas. E as pessoas
respondiam de maneira quase a corroborar um ponto de vista, uma interpretação.” “Tenho a percepção que a dificuldade que esses entrevistados
exprimem quando dizem não entender uma notícia ou distinguir entre uma
informação falsa ou verdadeira é semelhante ao dessa outra pesquisa sobre
calotas polares que mencionei.” Imprensa contra conteúdo falso Nesse campo de batalha armado entre informação e
desinformação que se dá nas redes, perdem todos: os fatos e sua influência nas
vida política e social. Como reverter esse processo? “Eu acho muito importante a gente ter em mente o papel da
imprensa nisso tudo. Tem um livro que chama “Network Propaganda: Manipulation,
Disinformation,Radicalization in American Politics” (Oxford University
Press), no qual os autores analisaram o peso da imprensa na campanha de Donald
Trump em 2016.” “A atenção que foi dedicada a cada absurdo que ele falava, a
cada notícia falsa que ele disseminava, o peso que a imprensa deu para aquilo
na divulgação de fake news era coisa da ordem de bilhões de dólares que el,
Trump, teria gasto em propaganda se ele tentasse atingir e ter a mesma
minutagem na TV, na rádio. Entendo que, para enfrentar esse problema específico
sobre notícias, o primeiro passo seria a própria imprensa refletir sobre seu
papel. Ou seja, como ela se vende e também se retroalimenta desse sistema.” Partindo da perspectiva da questão de notícias falsas, desse
discernimento, o primeiro passo seria a própria imprensa caminhar para algo
próximo a uma autocrítica, a uma reinvenção, diz Barciela.
ICL Notícias, com foto: Ilustração/Pixabay
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