18/12/2023
Cesta básica, serviços, combustível: a reforma tributária terá impactos diferentes para cada setor
BRASÍLIA, DF - Aprovada na sexta-feira (15) após 30 anos de
discussão, a reforma tributária simplificará a tributação sobre o consumo e
provocará mudança na vida dos brasileiros na hora de comprar produtos e
serviços. Cesta básica, remédios, combustíveis, serviços de internet
em streaming, os produtos são diversos. Com uma longa lista de exceções e de
alíquotas especiais, o novo sistema tributário terá impactos variados conforme
o setor da economia. Paralelamente, pela primeira vez na história, haverá
medidas que garantam a progressividade na tributação de alguns tipos de
patrimônio, como veículos, e na transmissão de heranças. Ao longo do próximo ano, o Congresso terá de votar leis
complementares para regulamentar a reforma tributária. Segundo o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, os projetos serão enviados nas primeiras semanas de
2024. Também no próximo ano, o governo poderá dar início à reforma
do Imposto de Renda, com mudanças como a taxação de dividendos (parcela de
lucros das empresas distribuídos aos acionistas). Nesse caso, porém, as
mudanças ocorrerão por meio de projeto de lei, com quórum menor de votação. Confira como a reforma tributária mudará o dia a dia do
consumidor: Cesta básica Um dos itens que mais gerou polêmica na reforma foi a
tributação da cesta básica. O Senado havia criado duas listas de produtos. A
primeira com a cesta básica nacional, destinada ao enfrentamento da fome. Essa
cesta terá alíquota zero e poderá ter os itens regionalizados por lei
complementar. Os senadores haviam criado uma segunda lista, chamada de
cesta básica estendida, com alíquota reduzida para 40% da alíquota-padrão e
mecanismo de cashback (devolução parcial de tributos) a famílias de baixa
renda. O relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), no
entanto, retirou essa lista, sob o argumento de que boa parte dos alimentos é
beneficiada pela alíquota reduzida para insumos agropecuários. O impacto final sobre os preços, no entanto, ainda é
desconhecido. No fim de junho, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras)
apresentou um relatório segundo o qual a cesta básica poderia subir 59,83% em
média com a redação anterior da reforma tributária, que reduzia pela metade a
alíquota do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual. O estudo, no entanto, foi contestado por economistas,
parlamentares e membros do próprio governo. Na época, o secretário
extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy,
disse que o novo sistema baratearia a cesta básica. O relator da reforma na
Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um estudo do Banco
Mundial, segundo o qual a carga tributária sobre a cesta básica cairia 1,7%, em
média, com a alíquota de IVA dual reduzida em 50%. A disparidade nas estimativas ocorre porque atualmente
muitos produtos da cesta básica são tributados em cascata, com os tributos
incidindo sobre o preço na etapa anterior da cadeia, antes de chegarem aos
supermercados. A isenção atual de tributos federais sobre os produtos da cesta
barateia os produtos por um lado, mas por outro lado impede o aproveitamento de
créditos tributários, devoluções de tributos pagos nas etapas anteriores da
cadeia produtiva. No sistema de IVA dual, a devolução dos créditos
tributários, segundo o governo, compensaria a cobrança de impostos. A alíquota
do IVA dual só será definida após a reforma tributária. O relatório da Abras
usou uma alíquota de IVA de 12,5%, pouco menos da metade da provável alíquota
cheia de 27,5% estimada por economistas, para justificar um eventual
encarecimento da cesta básica. O novo redutor de 60% e a futura alíquota zero deverão
baratear os produtos da cesta básica, mas o cálculo sobre o impacto final só
poderá ser feito quando a reforma tributária entrar em vigor. Itens mais
industrializados, com cadeia produtiva mais longa, deverão ter redução maior de
preços. Alimentos in natura ou pouco processados deverão ter leve redução ou
até leve aumento porque terão poucos créditos tributários. Remédios O texto aprovado prevê a alíquota reduzida em 60% para
medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual. O Senado incluiu
na lista de alíquota reduzida produtos de nutrição enteral e parenteral, que
previnem ou tratam complicações da desnutrição. Segundo especialistas, a reforma não deverá trazer grandes
impactos sobre o preço dos medicamentos. Isso ocorre por dois motivos.
Primeiramente, os medicamentos genéricos estão submetidos a uma legislação
específica. Além disso, a Lei 10.047, de 2000, estabelece um regime tributário
especial a medicamentos listados pelo Ministério da Saúde. O Senado também incluiu na isenção de IVA a compra de
medicamentos e dispositivos médicos pela administração pública e por entidades
de assistência social sem fins lucrativos. A Câmara dos Deputados tinha zerado
a alíquota para medicamentos usados para o tratamento de doenças graves, como
câncer. Combustíveis A reforma tributária estabelece um regime de tratamento
diferenciado para combustíveis e lubrificantes. O IVA dual, com alíquota única
em todo o território nacional e variando conforme o tipo de produto, será
cobrado apenas uma vez na cadeia produtiva, no refino ou na importação. A
mudança segue uma reforma proposta em 1992. Durante a tramitação no Senado, no entanto, foi incluída a
possibilidade de cobrança do Imposto Seletivo, tributo sobre produtos que gerem
danos à saúde e ao meio ambiente, sobre combustíveis e petróleo (para a
extração de petróleo e de minérios, haveria alíquota de 1%). Durante a votação
na Câmara nesta sexta-feira, o PSOL tentou elevar essa alíquota, mas os
deputados derrubaram o destaque. Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o
imposto seletivo deve gerar R$ 9 bilhões em arrecadação, considerando apenas a
exploração de petróleo, sem os demais minérios. Segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), o
regime diferenciado levará a uma forte alta do preço final aos consumidores.
Especialistas, no entanto, afirmam que o impacto é incerto porque muitos pontos
do regime diferenciado para os combustíveis serão definidos por lei
complementar e a reforma prevê a possibilidade de concessão de créditos
tributários. Além disso, o impacto só será conhecido após a definição da
alíquota cheia do IVA dual. Veículos A cobrança de Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores (IPVA) passará a incidir sobre veículos aquáticos e aéreos, como
jatos, helicópteros, iates e jet ski. A reforma também estabelece que o imposto
passará a ser progressivo conforme o impacto ambiental do veículo. Veículos
movidos a combustíveis fósseis pagam mais. Veículos movidos a etanol, biodiesel
e biogás e os carros elétricos pagarão menos IPVA. O Senado acatou uma emenda da senadora Mara Gabrilli
(PSD-SP) e incluiu a compra de automóveis por taxistas e pessoas com
deficiência e autismo entre os itens com alíquota zero. O benefício existe
atualmente e seria extinto com a reforma tributária. Em julho, durante a primeira votação na Câmara, os deputados
criaram uma lista de exceção para evitar a cobrança sobre veículos usados para
a agricultura e para serviços. A relação abrange os seguintes tipos de
veículos: aeronaves agrícolas e certificadas para prestar serviços aéreos a
terceiros; embarcações de pessoa jurídica com outorga de serviços de transporte
aquaviário; embarcações de pessoa física ou jurídica que pratique pesca
industrial, artesanal, científica ou de subsistência; plataformas que se locomovam
na água sem reboques (como navio-sonda ou navio-plataforma); e tratores e
máquinas agrícolas. No Senado, a prorrogação, até 2032, de um incentivo para
montadoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste elevou as tensões. Na
primeira votação, em julho, a Câmara havia derrubado a prorrogação desse
incentivo. Na primeira versão do relatório no Senado, o incentivo foi
prorrogado apenas para a produção de carros elétricos, mas a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Casa estendeu o benefício a montadoras de
veículos movidos a biodiesel e a veículos híbridos movidos a biodiesel e a
gasolina.
Isso gerou mal-estar entre os governadores do Sul e do
Sudeste, que alegaram desigualdade de condições com as montadoras instaladas
nas duas regiões. Na sexta-feira, o relator Aguinaldo Ribeiro concordou em
manter o benefício no texto-base, mas destacar esse ponto. Diferentemente da
primeira votação na Câmara, onde o incentivo obteve 307 votos, um a menos que
os 308 necessários, os deputados mantiveram o benefício por 341 votos a favor,
153 contra e quatro abstenções. Wellton Máximo/Fernando Fraga – Agência Brasil, com foto: Tony Winston/Agência Brasília
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