08/12/2023
“Não queremos aqui na América do Sul é guerra”, diz Lula sobre tensão envolvendo Venezuela e Guiana
BRASÍLIA, DF - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
afirmou, nesta quinta-feira (7), que está acompanhando com “crescente
preocupação” a situação em Equessibo, território em disputa por Venezuela e
Guiana, que faz também fronteira com o norte do Brasil. No último domingo (3),
a Venezuela aprovou um referendo que torna a região parte do país. Há dois
dias, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, determinou a criação de um
estado na área disputada. A preocupação do presidente Lula foi manifestada durante a
abertura de reunião de cúpula dos países membros do Mercosul, no Museu do
Amanhã, no Rio de Janeiro. “O Mercosul não pode ficar alheio a essa situação”, disse,
ao pedir o apoio dos colegas sul-americanos a uma minuta acordada pelos
chanceleres do bloco regional. Não queremos que esse tema contamine a retomada do processo
de integração regional ou constitua ameaça à paz e estabilidade”. Lula defendeu que a Comunidade de Estados Latino-Americanos
e Caribenhos (Celac) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) sejam
utilizadas para o encaminhamento pacífico da questão. O presidente brasileiro
colocou o país à disposição para sediar “quantas reuniões forem necessárias”
entre as partes envolvidas. A Venezuela é membro do Mercosul, mas está
suspensa. “Vamos tratar com muito carinho porque uma coisa que não
queremos aqui na América do Sul é guerra”, enfatizou Lula. “Nós não precisamos
de guerra, não precisamos de conflito. Nós precisamos é construir a paz”,
completou. Argentina Além do mandatário brasileiro estão presentes no encontro o
presidente Luis Lacalle Pou, do Uruguai; Santiago Peña, do Paraguai; e Alberto
Fernández, da Argentina, que deixará o cargo dentro de três dias. Ele será
substituído por Javier Milei, que fez campanha se mostrando crítico ao
Mercosul. Lula se disse triste pela última participação de Fernández
como um dos presidentes do Mercosul. O presidente salientou que é amigo do
argentino. “Sei o papel importante que você jogou nesse seu período de
governo. Lamentavelmente, eu acho que você merecia melhor sorte, a economia
merecia melhor sorte, mas aconteceu o infortúnio da pandemia e de uma seca”,
lamentou. O presidente da Bolívia, Luis Arce, também está no Rio de
Janeiro. O encontro do Mercosul sela a adesão do país andino ao bloco regional,
faltando apenas procedimentos internos bolivianos. “Estamos nos aproximando, efetivamente, de realizar um sonho
da integração entre Atlântico e Pacífico”, disse Lula, adiantando que será
apresentado um programa de ligação logística dos países, com estruturação de
rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos. O BNDES ajudará a financiar o
projeto. Singapura O presidente classificou como um passo importante a
assinatura de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e Singapura. É o
primeiro acordo do tipo do Mercosul em 11 anos e o primeiro com um país
asiático. “O acordo tem o potencial de estimular a atração de
investimento”, ressaltou Lula, acrescentando que, em 2022, Singapura foi o 11º
maior investidor global. União Europeia Havia a expectativa para o anúncio da assinatura de um
tratado de comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). As negociações
tinham sido aceleradas nas últimas semanas. Mas no sábado (2), durante a COP28,
em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o presidente da França, Emmanuel Macron,
manifestou contrariedade aos termos. Lula afirmou que sonhava com a assinatura do tratado. “Nunca
na história do Mercosul se conversou com tanta gente”, disse. “Fiz um apelo ao
Macron para ele deixar de ser tão protecionista”. O presidente citou que pediu
até ajuda do primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, para tentar convencer o
francês. Lula explicou ainda que a versão do acordo herdada do
governo passado era “inaceitável”. “Nos tratava como se fôssemos seres
inferiores. Como se fôssemos país colonizado ainda”. O presidente citou como
exemplo questões ligadas às compras governamentais. "Não dá para a gente
abrir como eles queriam que a gente abrisse”, declarou. “As resistências da Europa ainda são muito grandes. Eu
estranho a falta de flexibilidade de eles entenderem que nós ainda temos muita
coisa para crescer, temos o dever de nos industrializar”. O próximo país a assumir a presidência pro tempore por 6
meses é o Paraguai. Lula incentivou o presidente paraguaio a não desistir e
brigar pelo acordo. Outra crítica de Lula à UE é a dificuldade de os europeus
reconhecerem a credibilidade de dados sul-americanos sobre desmatamento. “Nós
tratamos a questão ambiental com muita seriedade. Tenho compromisso público de
que vamos chegar em 2030 com desmatamento zero”, prometeu o presidente. De
acordo com Lula, o Brasil reduziu o desmatamento pela metade este ano. Ele
lembrou ainda que a COP30, em 2025, será realizada em Belém, no Pará. Itamaraty Já após o discurso do presidente Lula, o Ministério das
Relações Exteriores brasileiro divulgou o comunicado conjunto Mercosul-União
Europeia. O texto diz que as duas partes "estão engajadas em discussões
construtivas com vistas a finalizar as questões pendentes". A nota acrescenta que houve avanços consideráveis nos
últimos meses. "Com base nos avanços efetuados até a presente data nas
negociações, ambas as partes esperam alcançar rapidamente um acordo que
corresponda à natureza estratégica dos laços que as vinculam e à contribuição
crucial que podem oferecer para enfrentar os desafios globais em áreas como o
desenvolvimento sustentável, a redução das desigualdades e o
multilateralismo", diz o texto. Participação social A reunião entre os presidentes dos países do Cone Sul foi
precedida pela retomada da Cúpula Social, que não acontecia de forma presencial
havia 7 anos. Movimentos da sociedade civil tiveram dois dias de encontros no
Museu do Amanhã e elaboraram uma carta que foi entregue aos líderes. No
documento, há sugestões e demandas sociais como defesa do meio ambiente,
combate à fome, dignidade para trabalhadores e políticas de direitos humanos. “Essa gente representa o que a gente tem de vivo na nossa
sociedade e vão nos ajudar”, declarou. Regulamentação das redes Lula sugeriu aos demais presidentes a criação de uma
comissão especial para discutir democracia, informação e ambientes digitais.
Para ele, o assunto precisa ser tratado globalmente. Precisamos estar sempre atento às novas ameaças e atualizar
nossos mecanismos de regulação. Vamos nos equipar para garantir o direito de
liberdade de expressão ao mesmo tempo que coibimos o discurso de ódio, a
desinformação e as práticas abusivas das grandes empresas de tecnologia”. Mercosul O Mercosul é um processo de integração regional iniciado em
1991, formado inicialmente pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Nas
décadas seguintes foram aprovados os ingressos da Venezuela e Bolívia. Desde
2017, a Venezuela está suspensa pelo não cumprimento de cláusulas democráticas
do bloco. São países associados Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e
Suriname. As trocas comerciais dentro do bloco multiplicaram-se mais
de dez vezes desde sua criação, saltando de US$ 4,5 bilhões para US$ 46 bilhões
em 2022.
O bloco abrange uma área de 14.869.775 quilômetros quadrados
– o Brasil detém 57% – e uma população de 295 milhões de habitantes, sendo mais
de 200 milhões de brasileiros. Bruno de Freitas Moura/Valéria Aguiar, com fotos: Tânia Rêgo – Agência
Brasil
|