25/06/2023
Reajustes das mensalidades no ensino superior deixam estudantes sem opção
BRASÍLIA, DF - Os recentes reajustes das mensalidades do
ensino superior podem deixar vários estudantes de fora da faculdade, por não
terem condições de pagar, de acordo com estudo feito pela Quero Educação. O
levantamento mostra que enquanto os futuros alunos buscam mensalidades de cerca
de R$ 500, a média cobrada pelas instituições é R$ 722. Isso faz com que 68%
daqueles que estão em busca de uma formação superior não encontrem opções
viáveis. O levantamento foi realizado a partir das buscas feitas na
plataforma Quero Bolsa, um dos braços da Quero Educação. Pela plataforma,
estudantes podem obter bolsas de estudos de 5% a 80% de desconto em
instituições privadas. Hoje, as bolsas ofertadas cobrem, de acordo com a Quero,
10% das matrículas nas faculdades. Mais de 1,3 mil instituições ofertam bolsas
de estudo pela plataforma. Segundo a Quero Educação, no início deste ano as maiores
instituições do mercado praticavam, na plataforma, um preço médio nas
mensalidades de R$ 530, enquanto os alunos buscavam cursos com preço médio de
R$ 526. Ao longo do ano, em meio à queda no poder de compra, os estudantes
passaram a buscar graduações presenciais com um preço médio de R$ 495, enquanto
o valor médio das mensalidades ofertadas na plataforma foi elevado para R$ 722,
representando um aumento de 45% em relação a faixa buscada pelos alunos. Se antes as instituições atendiam a 63% dos estudantes que
buscavam vagas, agora essa porcentagem caiu para 32%. “Não houve aumento do
poder de compra dos alunos, eles não podem pagar esse preço. É isso que a gente
vem alertando. Está ficando muita gente de fora. E o fato é que as instituições
não vão conseguir encher as suas salas”, alerta o diretor da Quero Educação,
Marcelo Lima. Para Lima os descontos nas mensalidades e as bolsas de
estudos são mais vantajosas que os financiamentos, pois podem garantir a
formação dos alunos sem que eles fiquem endividados quando deixam a
universidade. "É uma grande oportunidade para as faculdades que quiserem
trabalhar nesse mercado num preço mais acessível para os alunos. É uma
oportunidade para elas encherem suas salas, porque é muito melhor ter uma sala
cheia de alunos pagando R$ 500 do que ter uma sala pela metade, conseguindo
captar aqueles alunos que estão dispostos a pagar R$ 720". Reajustes necessários Entidades representativas do ensino superior reconhecem a
dificuldade dos estudantes em pagar as mensalidades, mas ressaltam que os
reajustes são necessários, uma vez que muitas das instituições, durante a
pandemia, não aumentaram as mensalidades. “O preço é formado com base no custo.
Houve, pela inflação, aumento real de custos nas universidades, aumento de luz,
aluguel, correção de salários”, argumenta o diretor presidente da Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier. De acordo
com ele, cerca da metade das vagas ofertadas pelas instituições não são
preenchidas. Segundo o diretor executivo do Semesp, que também representa
as mantenedoras de ensino superior do Brasil, Rodrigo Capelato, cerca de 30% a
35% dos estudantes têm atualmente algum desconto ou bolsa. “Em 2023, houve
pequena recuperação do setor, mas sempre com muito desconto, precisando ajustar
valores porque o poder aquisitivo ainda está muito baixo e as famílias estão
muito endividadas”, disse. Capelato ressalta que não é possível oferecer descontos a
todos os estudantes. “O valor médio das mensalidades é R$ 800 a R$ 1,5 mil.
Senão, não pagamos os custos, principalmente no ensino presencial”. Ambos defendem o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)
como forma de manter os alunos e garantir a formação, já que mesmo com bolsas,
eles não têm condições de pagar até o final do curso. Atualmente, o setor
privado concentra 77% das matrículas do ensino superior brasileiro, de acordo
com o último Censo da Educação Superior. “A gente precisa de uma forma de
ingressar via setor privado, senão não consegue dar cobertura. E a melhor forma
é ampliar o financiamento estudantil”, defende Capelato. “As pessoas que buscam ensino superior carecem de
financiamento estudantil, um novo Fies até para retomar o caráter social que
defendemos, como era da origem. No Brasil, se não tiver financiamento com esse
caráter, vai ter mais gente precisando fazer curso superior e não conseguindo”,
defende Niskier. Qualidade Para os estudantes, é importante que o ensino ofertado seja
de qualidade, o que muitas vezes não tem ocorrido, de acordo com a coordenadora
de Comunicação da União Nacional dos Estudantes (Une), Manuella Silva. “A gente precisa, nesse momento, para além de garantir que
estudantes tenham acesso ao ensino superior, garantir a qualidade do ensino
superior. O que nós vemos é o lucro acima da qualidade”, disse. Segundo Manuella, a UNE recebe reclamações de estudantes que
acabam tendo aulas gravadas há muitos anos, já desatualizadas, que não tem
laboratórios para práticas, entre outras reclamações. Sobre os reajustes, a estudante ressalta que os aumentos
estão recaindo não apenas para os estudantes que estão ingressando na
universidade, mas para aqueles que já estão matriculados e que acabam não tendo
condições para se manter estudando. De acordo com Manuella, a UNE defende, além de um Fies que
consiga assegurar que os estudantes concluam os cursos, uma garantia de
emprego, para que possam, assim que formados, quitar suas dívidas com o
programa. “A gente defende o Fies, mas defende que ele consiga
garantir o pleno emprego, para que os estudantes consigam ter acesso ao mercado
de trabalho. O Fies é importante para garantir entrada na universidade, mas que
seja um Fies que os estudantes consigam entrar, permanecer e concluir um curso
com qualidade, que não o deixem pela metade”, defende. Fies Atualmente, o Fies está sendo discutido em um grupo de
trabalho criado pelo Ministério da Educação. As discussões, em tese, terminam
em setembro. A Portaria 390, que oficializou o grupo de trabalho, foi publicada
no Diário Oficial da União (DOU) no dia 8 de março, com a finalidade de
promover estudos técnicos relacionados ao Fundo, como diagnósticos sobre a
situação atual do Fies, a reavaliação do limite de financiamento e a
desburocratização do programa. Criado em 1999, o Fies oferece financiamento a estudantes de
baixa renda em instituições particulares de ensino a condições mais favoráveis
que as de mercado. O programa, que chegou a firmar, em 2014, mais de 732 mil
contratos, sofreu, desde 2015, uma série de mudanças e enxugamentos. Em 2019,
foram cerca de 67 mil ingressantes no ensino superior pelo Fies.
Um dos principais motivos para as mudanças nas regras do
Fies, de acordo com gestões anteriores do Ministério da Educação, foi a alta
inadimplência, ou seja, estudantes que contratam o financiamento e não quitam
as dívidas após formados. O percentual de inadimplência registrado pelo
programa chegou a atingir mais de 40%, de acordo com dados do ministério, de
2018. Mariana Tokarnia/Fernando Fraga, com foto: Marcello Casal Jr – Agência Brasil
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