14/03/2023
Cinco anos após assassinato, caso Marielle Franco segue sem resposta sobre o mandante do crime
RIO DE JANEIRO, RJ - O assassinato da vereadora Marielle
Franco e do motorista Anderson Gomes completa cinco anos nesta terça-feira (14)
e segue sem resposta sobre o mandante do crime. As investigações levaram à
prisão de dois executores: o policial militar reformado Ronnie Lessa, por ter
atirado na vereadora; e o motorista e ex-policial militar Elcio de Queiroz. Os
motivos e os líderes do atentado permanecem desconhecidos. “Já se passaram cinco anos: é muito tempo”. O desabafo é de
Marinete da Silva, mãe de Marielle Franco, e resume o sentimento de familiares,
amigos, ativistas, e de qualquer pessoa indignada com o crime. “Hoje, o mundo
inteiro quer saber quem mandou matar Marielle. Isso não é uma questão a ser
resolvida apenas para a família”, complementa a mãe. O próprio processo de investigação passou a ocupar um lugar
central no noticiário. A Polícia Civil teve cinco delegados responsáveis pelo
caso na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. No Ministério Público
Estadual, três equipes diferentes atuaram no caso durante esses anos. A última mudança aconteceu há 10 dias, quando o
procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, escolheu sete novos promotores
para integrar a força-tarefa coordenada por Luciano Lessa, chefe do Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). As trocas constantes
de comando receberam críticas de familiares e movimentos sociais nesses cinco
anos, e levaram a suspeitas de obstrução nas investigações. Em maio de 2019, a Polícia Federal apontou que foram dados
depoimentos falsos para dificultar a solução dos homicídios. Procuradoras
abandonaram o caso em julho de 2021, com a afirmação de que houve interferência
externa na investigação. O novo comando do MPRJ disse estar comprometido em "não
chegar a uma conclusão açodada, divorciada da realidade, mas de realizar um
trabalho técnico e sério, voltado para identificar todos os envolvidos”. Sobre
os mandantes e o motivo dos assassinatos, afirma que as dificuldades são
maiores por ser “um crime onde os executores são profissionais, que foram
policiais militares, que sabem como se investiga”. Prisões O avanço mais consistente no caso aconteceu em março de
2019, quando Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa foram presos no Rio de Janeiro. O
primeiro é acusado de ter atirado em Marielle e Anderson, o segundo, de dirigir
o carro usado no assassinato. Quatro anos depois, eles continuam presos, mas
não foram julgados. Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Rio
informou que é esperado “o cumprimento de diligências requeridas pela promotoria
e pela defesa para que seja marcada a data do julgamento”. Sobrevivente Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle Franco, foi a
única sobrevivente do atentado. Ela estava no carro quando a parlamentar e o
motorista foram atingidos. Fernanda diz que apenas o delegado que assumiu o
caso entre 2018 e o início de 2019, Giniton Lages, a chamou para prestar
depoimento. Ela só voltou a ser procurada em janeiro deste ano pelo Ministério
da Justiça, quando participou de uma reunião com assessores da pasta. “Você chegar a cinco anos sem que se tenha levado adiante o
julgamento dos que estão acusados e presos por conta do assassinato? Sem ter
uma investigação que leve aos mandantes? É muito humilhante, eu acho que é
vergonhoso para o Estado não entregar essa resposta. O Rio de Janeiro, quando a
Marielle foi assassinada, estava sob intervenção federal, militarizado. No
centro da cidade, do lado da prefeitura, as vias eram cobertas por câmeras. E
cinco anos depois você não tem um avanço. Giniton saiu do caso, as promotoras
deixaram o caso alegando interferência. Isso é gravíssimo”, acusa. Inquérito federal A reunião de Fernanda marca uma mudança de postura do
governo federal em relação ao caso. A federalização das investigações esteve em
pauta desde o início e chegou a constar em um pedido da então procuradora-geral
da República, Raquel Dodge, em setembro de 2019. A tentativa não avançou após
proibição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do desinteresse do governo
federal na época e da preocupação dos familiares. Em fevereiro deste ano, o ministro da Justiça, Flávio Dino,
determinou que a Polícia Federal (PF) abrisse um inquérito paralelo para
auxiliar as autoridades fluminenses. Nesta segunda-feira (13), o ministro disse
que o caso é uma prioridade da corporação e que pretende identificar todos os
envolvidos. “O que eu posso afirmar é que o trabalho está evoluindo bem.
Mas é claro que, sobre o resultado, nós teremos nos próximos meses a
apresentação dos investigadores daquilo que foi possível alcançar. Não é
possível nesse momento fixar prazos, nem que momento isso finalizará. Mas eu
posso afirmar que há prioridade, há uma equipe dedicada na Polícia Federal só
para isso e eu tenho, sim, a expectativa e a esperança, que é de todos nós, que
a PF vai ajudar a esclarecer definitivamente esse crime”. Justiça por Marielle e Anderson Para aumentar a pressão sobre as investigações, foi criado
em julho de 2021 o Comitê Justiça por Marielle e Anderson. Ele é formado pelos
familiares das vítimas, pela Justiça Global, Terra de Direitos, Coalizão Negra
por Direitos e Anistia Internacional Brasil. Esta última organizou e participou
de campanhas desde que os assassinatos aconteceram. Para a diretora-executiva Jurema Werneck, as autoridades do
Rio estão falhando há cinco anos com as famílias das vítimas e a sociedade como
um todo. Ela defende que a solução do caso é fundamental para o país mostrar
que está comprometido no combate aos crimes políticos. “O ministro da Justiça diz que vai cooperar. A gente só tem
que confiar que, dessa vez, vão colaborar de fato. E que dessa vez vão
contribuir para o Rio de Janeiro e o Brasil superarem essa ineficiência crônica
de elucidação de homicídios. E principalmente elucidação de homicídios
políticos. O Brasil é o quarto país do mundo que mais mata ativistas. Portanto,
o ministro da Justiça, além de elucidar esse crime, precisa estabelecer
políticas e mecanismos consistentes para que o Brasil deixe de estar entre os
campeões do mundo de assassinatos políticos”. Essa visão é compartilhada por organismos internacionais,
que pressionam o Brasil a solucionar o atentado. Jan Jarab, representante da
ONU Direitos Humanos para a América do Sul, defende que é preciso inserir o
caso em um contexto mais amplo de ataques contra defensores dos direitos
humanos. “Devemos evitar a impunidade. No sentido amplo da palavra,
não só sobre quem executa os atos violentos, mas também quando há pessoas por
trás. Mas também é importante a prevenção, primária e secundária, e as medidas
de segurança física. E intervir quando já existem ameaças, quando existem
crimes de ódio verbal. Que não se banalizem essas formas de agressão verbal,
principalmente no âmbito das redes sociais”. Esperanças renovadas Meia década de tristeza, angústia e ansiedade. Mas não de
desistência. É dessa forma que amigos e familiares renovam as esperanças de que,
com o apoio de diversos setores da sociedade civil, não será preciso passar
mais um ano sem a resposta sobre “Quem mandou matar Marielle?”. “Infelizmente, a gente vive em um país onde muitas pessoas
são assassinadas e seguem sem saber quem mandou matar e o porquê. Mas eu acho
que o Brasil merece dar essa resposta para democracia”, diz Anielle Franco,
irmã da vereadora e ministra da Igualdade Racial. “Eu preciso acreditar nas instituições, eu preciso acreditar
que esse resultado vai ser apresentado. Eu não posso acreditar em um país que
tenha autoridades e instituições funcionando, em um Estado Democrático de
Direito, que não entrega essa resposta. Eu preciso acreditar nisso, eu tenho
esperança”, diz Fernanda Chaves. “Eu entendo hoje que fazer justiça por Marielle não tem só a
ver com o final de um inquérito. Isso o Estado brasileiro deve à família e à
sociedade”, defende Mônica Benício, viúva de Marielle. “É a gente poder viver numa sociedade onde ‘Marielles’ não
sejam assassinadas, mas possam florescer no seu máximo de potência. É a gente
ter uma sociedade em que não haja racismo, LGBTfobia, machismo. Ou seja, que
todos os corpos possam viver e ter igualdade de direitos, que todas as vidas
possam importar igualmente aos olhos do Estado e aos olhos da sociedade. Quando
a gente tiver essa sociedade, fizemos justiça por Marielle”. Cronologia do caso 14 de março de 2018: Marielle Franco e Anderson Gomes são
assassinados. 15 de março de 2018: Giniton Lages assume a Delegacia de
Homicídios do Rio e o caso. 21 de março de 2018: O MPRJ escolhe um grupo de promotores
para a apuração do crime. 01 de setembro de 2018: Entra no caso o Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ). Acontece a primeira troca
de promotores do MPRJ. 25 de setembro de 2018: Orlando Curicica, encarcerado no
Presídio Federal de Mossoró por crimes ligados à milícia, menciona o
‘Escritório do Crime’ para os investigadores. Uma testemunha cita o vereador
Marcello Siciliano por suposto envolvimento na morte de Marielle. Siciliano foi
preso, mas o envolvimento dele foi descartado depois. 11 de outubro de 2018: Investigações do MPRJ identificam
biotipo do executor do crime e rastreiam novos locais por onde circulou o carro
usado no crime. 11 de março de 2019: A primeira fase de investigações é
encerrada. Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são denunciados por homicídio doloso. 12 de março de 2019: Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa são
presos no Rio de Janeiro. 25 de março de 2019: Giniton Lages é substituído por Daniel
Rosa na Delegacia de Homicídios do Rio. 23 de maio de 2019: Polícia Federal aponta que foram dados
depoimentos falsos para dificultar a solução dos homicídios. 11 de setembro de 2019: A então procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, pede a federalização das investigações. 10 de março de 2020: Justiça do Rio determina que Ronnie
Lessa e Élcio Vieira de Queiroz sejam levados a júri popular. 27 de maio de 2020: Superior Tribunal de Justiça (STJ) nega
a federalização das investigações. 17 de setembro de 2020: Delegado Daniel Rosa deixa o caso.
Moisés Santana assume o lugar dele. 05 de julho de 2021: Terceira troca na Delegacia de
Homicídios: sai Moisés Santana, entra Edson Henrique Damasceno. 02 de fevereiro de 2022: Quarta troca: Edson Henrique
Damasceno é substituído por Alexandre Herdy. 30 de agosto de 2022: Supremo Tribunal Federal (STF) nega
recursos das defesas de Ronnie Lessa e Élcio Vieira, e mantém decisão sobre
júri popular. 22 de fevereiro de 2023: O ministro da Justiça e Segurança
Pública, Flávio Dino, anuncia abertura de inquérito da Polícia Federal para
investigar assassinatos. 04 de março de 2023: MP do Rio define novos promotores do
caso Marielle Franco.
Rafael Cardoso/Heloisa Cristaldo – Agência Brasil, com foto: Renan Olaz/CMRJ
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