20/02/2023
Uso abusivo de álcool entre mulheres cresce 4,25% em dez anos e causa duas mortes a cada hora no Brasil
BRASÍLIA, DF - A cada hora cerca de duas mulheres morreram
em razão do uso nocivo de álcool em 2020. Ao todo, 15.490 brasileiras perderam
a vida por motivos atribuídos ao álcool naquele ano. A faixa etária mais
afetada foi a das mulheres de 55 anos e mais (70,9%), seguida por 35 a 54 anos
(19,3%), 18 a 34 anos (7,3%) e de 0 a 17 anos (2,5%). Os dados fazem parte de
estudo inédito, divulgado nesta semana pelo Centro de Informações sobre Saúde e
Álcool (Cisa) para marcar o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, comemorado hoje
(18). Segundo o levantamento, as principais causas desses óbitos
foram doença cardíaca hipertensiva (15,5%), cirrose hepática (10,4%), doenças
respiratórias inferiores (8,7%) e câncer colorretal (7,3%). O consumo abusivo de álcool pelas brasileiras aumentou 4,25%
de 2010 a 2020. A tendência foi registrada em 12 capitais e no Distrito
Federal. Os maiores aumentos no consumo foram verificados em Curitiba (8,03%),
São Paulo (7,34%) e Goiânia (6,72%). O levantamento é realizado pelo Cisa, com
dados do Datusus 2021. Por consumo abusivo considera-se a ingestão de quatro ou
mais doses, para mulheres, ou de cinco ou mais doses, para homens, em um mesmo
dia. O aumento mais significativo foi observado entre mulheres, passando de
7,8% em 2006 para 16% em 2020. O centro considera que uma dose padrão
corresponde a 14g de etanol puro no contexto brasileiro. Isso corresponde a 350
ml de cerveja (5% de álcool), 150ml de vinho (12% de álcool) ou 45ml de
destilado (como vodca, cachaça e tequila, com aproximadamente 40% de álcool). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o
consumo de álcool pode causar mais de 200 doenças e lesões. Está associado ao
risco de desenvolvimento de problemas de saúde como distúrbios mentais e
comportamentais, incluindo dependência ao álcool, doenças graves como cirrose
hepática, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares, bem como lesões
resultantes de violência e acidentes de trânsito. Em todo o mundo, 3 milhões de
mortes por ano resultam do uso nocivo do álcool, representando 5,3% de todas as
mortes. Consumo abusivo Os perigos do consumo nocivo de bebidas alcoólicas afetam,
de formas diferentes, homens e mulheres. Segundo a presidente da Associação
Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), Alessandra Diehl, as
mulheres têm predisposição a ter adoecimento clínico e psíquico mais rápido do
que os homens. “Uma das questões aí é a vulnerabilidade biológica”, disse,
em entrevista à Agência Brasil. A psiquiatra explicou que as mulheres têm menor
concentração de enzimas que fazem a metabolização do álcool, o que faz com que
ele seja mais tóxico para o organismo feminino do que para o masculino. Segundo
Alessandra, as mulheres, às vezes, com menos tempo de uso crônico de álcool que
os homens, já apresentam mais prejuízos para a saúde, como hepatite, cirrose e
envelhecimento. De acordo com o psiquiatra e presidente do Cisa, Arthur
Guerra, os efeitos do consumo de álcool entre as mulheres também podem variar
conforme o ciclo menstrual, a gestação e amamentação. Além disso, elas sofrem
impactos por fatores sociais, como a maternidade e participação no mercado de
trabalho. “Outro ponto é que as mulheres acabam tendo outras
influências hormonais, como ciclo menstrual por exemplo, que acabam afetando o
consumo de álcool também. Algumas delas, durante a fase pré-menstrual, a famosa
TPM, ficam mais sensíveis e vão usar o álcool como se fosse um remédio para
aliviar os sintomas”, explicou o médico. Para a socióloga Mariana Thibes, coordenadora do Cisa, o
aumento no consumo de bebida alcóolica tem um componente cultural. “As mulheres estão bebendo mais e isso é uma mudança
cultural importante que foi acontecendo ao longo da última década.
Provavelmente tem a ver com a maior presença delas no mercado de trabalho, acho
que esse é o fator mais importante. A mulher está nos mesmos espaços que os
homens, então ela sai para um happy hour com os colegas homens e por que ela
vai consumir menos álcool?”, questionou. Segundo Mariana, o acúmulo das jornadas também é relevante
para o aumento do consumo abusivo de álcool entre as mulheres. “O acúmulo de trabalho dentro de casa, fora de casa, cuidar
dos filhos, da profissão, do trabalho doméstico. Esse aumento das pressões
acaba levando muitas mulheres a procurar no álcool uma espécie de recurso para
relaxar. No período da pandemia, vimos a hastag #winemom viralizar, com muitas
mães postando fotos com taça de vinho no fim do dia, como uma espécie de
recompensa depois daquele dia duro de acúmulo de jornada. Esse estresse que as
mulheres passaram a sofrer nos últimos anos também pode ajudar a explicar o
aumento do consumo abusivo de álcool”, afirmou. Menores De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
(PeNSE), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com estudantes
de 13 a 17 anos, a experimentação de bebida alcoólica cresceu de 52,9% em 2012
para 63,2% em 2019. O aumento, no período, foi mais intenso entre as meninas
(de 55% para 67,4%) do que entre os meninos (de 50,4% para 58,8%). O consumo excessivo de álcool também aumentou. Foi de 19% em
2009 para 26,2% em 2019 entre os estudantes do sexo masculino e de 20,6% para
25,5% entre as adolescentes. A experimentação ou exposição ao uso de drogas
cresceu em uma década. Foi de 8,2% em 2009 para 12,1% em 2019. A presidente da Abead, Alessandra Diehl, alerta que a
iniciação no álcool ocorre cada vez mais cedo, em média aos 13 anos de idade,
sendo que 34,6% dos estudantes tomaram a primeira dose de álcool com menos de
14 anos. “Há prevalência de meninas jovens iniciando o consumo de álcool”,
disse. Alcoolismo Diferentemente do abuso de álcool, a dependência é
considerada doença pela Organização Mundial da Saúde. De acordo com a socióloga
Mariana Thibes, “em geral, leva-se uma década para passar do estágio de consumo
abusivo para a dependência”. Esse tipo de dependência é considerado crônica e
multifatoria. Isso significa que diversos fatores contribuem para o seu
desenvolvimento, incluindo a quantidade e frequência de uso do álcool, a condição
de saúde do indivíduo e fatores genéticos, psicossociais e ambientais,
tipicamente associados aos seguintes sintomas: - Forte desejo de beber - Dificuldade de controlar o consumo (não conseguir parar de
beber depois de ter começado) - Uso continuado apesar das consequências negativas, maior
prioridade dada ao uso da substância em detrimento de outras atividades e
obrigações - Aumento da tolerância (necessidade de doses maiores de
álcool para atingir o mesmo efeito obtido com doses anteriormente inferiores ou
efeito cada vez menor com uma mesma dose da substância)
- Por vezes, um estado de abstinência física (sintomas como
sudorese, tremores e ansiedade quando a pessoa está sem o álcool). Heloísa Cristaldo/Alana
Gandra/Graça Adjuto, com foto: Arquivo - Agência Brasil
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