08/02/2023
Após um mês dos ataques golpistas, investigação busca identificar os financiadores dos atos
BRASÍLIA, DF - O ataque de vândalos e golpistas aos
prédios-sede dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) completa
hoje (8) um mês. Os desdobramentos do quebra-quebra de 8 de janeiro, contudo,
parecem longe do fim. Ontem (7), a Polícia Federal (PF) realizou a quinta fase da
chamada Operação Lesa Pátria. Deflagrada em 20 de janeiro, a operação busca
identificar pessoas que participaram, financiaram ou fomentaram a invasão e a
depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal
Federal (STF). Com autorização do STF, pelo menos 20 pessoas já foram
detidas no âmbito da Lesa Pátria. Elas são suspeitas de participar dos crimes
de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de
Estado; dano qualificado; associação criminosa; incitação ao crime, destruição,
deterioração ou inutilização de bens protegidos. Só a Câmara dos Deputados
estima que o prejuízo na Casa Legislativa, sem considerar o Senado, chega a R$
3,3 milhões. Acampamento Além das detenções ocorridas no âmbito da Lesa Pátria, mais
920 pessoas que participaram do acampamento montado por cerca de dois meses em
frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, continuam custodiadas em
duas unidades prisionais do Distrito Federal. Segundo a Secretaria Distrital de Administração
Penitenciária (Seape), 614 homens estão detidos no Centro de Detenção
Provisória da Penitenciária da Papuda e 306 mulheres permanecem à disposição da
Justiça na Penitenciária Feminina, a Colmeia. Mais 459 suspeitos foram
liberados, mas devem utilizar tornozeleiras eletrônicas e cumprir uma série de
restrições judiciais. As 1.379 detenções foram feitas na esteira do desmonte do
acampamento que pessoas que não aceitam o resultado das últimas eleições
montaram em frente ao QG do Exército, em Brasília, e em várias outras cidades.
O acampamento foi montado no dia seguinte ao anúncio da vitória do atual
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Com o objetivo de impedir a
posse de Lula em 1º de janeiro, manifestantes também bloquearam rodovias em
diferentes pontos do país. No relatório sobre os 23 dias em que atuou como interventor
federal na segurança pública do Distrito Federal, o secretário executivo do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, mostrou que os
aglomerados de barracas que “pequenos grupos” instalaram diante das unidades
militares logo se transformaram em uma estrutura organizada, “crucial para o
desenvolvimento das ações de perturbação da ordem pública”. No documento disponível no site do ministério, Cappelli
sustenta que as ações antidemocráticas que culminaram com o 8 de Janeiro
começaram com atos concentrados em frente aos quartéis (único local onde os
participantes do movimento afirmavam estar seguros para se manifestar), mas que
logo extrapolaram o perímetro militar, tornando-se violentas e ameaçando a vida
de pessoas. Dois episódios ocorridos na capital federal, ainda em
dezembro, sustentam a tese do ex-interventor. No dia 12, um grupo tentou
invadir a sede da Polícia Federal, na área central de Brasília, em protesto
contra a prisão, horas antes, de José Acácio Serere Xavante, um dos indígenas
acampados diante do quartel do Exército. Reprimido, o grupo ocupou as vias
próximas, bloqueando o trânsito, incendiando ao menos oito veículos, incluindo
ônibus, e depredando três viaturas do Corpo de Bombeiros. O quebra-quebra ocorreu no mesmo dia em que o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) diplomou Lula e o vice-presidente da República,
Geraldo Alckmin, cumprindo uma das exigências legais para empossar os dois em
seus respectivos cargos. Menos de duas semanas depois, um artefato explosivo foi
localizado junto a um caminhão-tanque estacionado próximo ao Aeroporto
Internacional de Brasília. Três suspeitos de fabricar e deixar a bomba no local
foram identificados e estão presos: Alan Diego dos Santos Rodrigues; Wellington
Macedo de Souza e George Washington de Oliveira Sousa. Eles são acusados de
colocar em risco a vida e a integridade física e patrimonial de terceiros por
meio de explosão. Washington, que também foi denunciado por porte ilegal de
arma de fogo, confessou à polícia que o crime foi planejado no acampamento e
que a intenção era “causar o caos” na véspera do Natal, promovendo a
instabilidade política no país. Na ocasião, o ministro da Justiça, Flávio Dino,
disse, entre outras coisas, que os acampamentos diante dos quarteis tinham se
tornado uma "incubadora de terroristas". Capitólio Somados às ocorrências registradas em outros estados - como
o ataque a jornalistas no acampamento montado diante do quartel do Exército em
Belo Horizonte -, os fatos de 12 e de 24 de dezembro, em Brasília, deixaram
autoridades em estado de alerta. Principalmente devido à proximidade da
cerimônia de posse presidencial, em 1º de janeiro. Um forte esquema foi montado para garantir a segurança da
população e dos chefes de Estado que prestigiaram a posse de Lula e de Alckmin.
Nenhum incidente grave foi registrado, embora milhares de pessoas tenham lotado
a Esplanada dos Ministérios. O que aconteceu na semana seguinte é objeto das
investigações da PF, das polícias do Distrito Federal e de outros órgãos
públicos que atuam para esclarecer o que permitiu que a manifestação do 8 de
Janeiro, mesmo reunindo um número de pessoas inferior àquela com a qual as
forças de segurança locais estão acostumadas a lidar, resultasse no ataque ao
Estado de Direito. As imagens correram o mundo, fazendo lembrar episódio
semelhante, de janeiro de 2021, quando o Congresso dos Estados Unidos foi
invadido por apoiadores do ex-presidente norte-americano, Donald Trump. Cappelli, nomeado interventor da segurança pública no Distrito
Federal no momento em que poucos agentes públicos tentavam conter a ação de
vândalos e golpistas, conclui, em seu relatório, que faltou comando às forças
de segurança locais, responsáveis pelo patrulhamento ostensivo. Segundo ele,
representantes de vários órgãos do DF se reuniram no dia 6 de janeiro e
apontaram o “potencial lesivo da manifestação” agendada para dali a dois dias,
antecipando que o ato poderia resultar em ações violentas, inclusive com a
tentativa de invasão de prédios públicos. “Pode-se concluir que não houve falta de informações e
alertas sobre os riscos da manifestação”, afirmou o então interventor em seu
relatório, no qual cita a chegada de ônibus lotados, procedentes de várias
partes do país, como um fato que deveria ter despertado a atenção das
autoridades distritais. “Não houve a elaboração do Planejamento Operacional.
Não foi identificado nenhum documento que demonstre a determinação prévia do
número exato de PMs empregados na Esplanada dos Ministérios”, concluiu Cappelli
no documento. Ele destacou que, enquanto parte do comando das forças de
segurança estava de folga, férias ou licença, policiais militares que sequer
tinham concluído o curso de formação eram empregados na linha de frente, para
tentar controlar os manifestantes. Falhas O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo
Bolsonaro Anderson Torres, que assumiu a Secretaria de Segurança Pública do
Distrito Federal no dia 2 de janeiro, garante que um plano operacional foi
traçado no dia 6 e que, na ocasião, não havia indícios de que “ações radicais”
estivessem programadas para o dia 8. Apesar de estar há poucos dias no cargo e
de já ter feito algumas substituições na linha de comando da segurança pública,
Torres decidiu manter sua programação e viajar para os Estados Unidos, de
férias, com a família. Para Torres, o que aconteceu naquele domingo resultou de
“falhas graves” na execução do protocolo que estabelecia, entre outras coisas,
que cabia a PM planejar e executar as ações necessárias à preservação da ordem
pública, mantendo inclusive todas as tropas especializadas de prontidão. Com o Distrito Federal sob intervenção federal, o governador
Ibaneis Rocha exonerou Torres, que tinha viajado para os EUA, de férias, no dia
6. O ex-ministro e ex-secretário foi preso no dia 14 de janeiro, quando
retornou ao Brasil. O próprio governador Ibaneis Rocha acabou afastado do cargo
por 90 dias, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Em sua
decisão, Moraes alegou que, embora as responsabilidades efetivas ainda estejam
sendo apuradas, Torres agiu com descaso e Ibaneis foi dolosamente omisso,
principalmente ao defender a “livre
manifestação política em Brasília, mesmo sabedor, por todas as redes, que
ataques às instituições e seus membros seriam realizados”. Ibaneis e Torres negam as acusações. Os dois foram alvos de
mandados de busca e apreensão expedidos por Moraes. Na casa de Torres, foi
encontrado o rascunho de um decreto presidencial para que fosse estabelecido
estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Se colocada em prática,
a medida possibilitaria que o resultado das últimas eleições presidenciais
fosse invalidado. Em depoimento, Torres desqualificou o documento, dizendo que
seu teor não tem “viabilidade jurídica”. Ele também assegurou à PF que não sabe
quem redigiu o texto, que recebeu quando era ministro da Justiça. Intervenção Decretada pelo presidente no fim da tarde do dia 8, a
intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal chegou ao fim no
último dia 31. Nesta terça-feira (7), o ex-intervetor, Ricardo Cappelli, disse
à Agência Brasil que a iniciativa atingiu seus objetivos. “A intervenção tinha três objetivos. Os dois primeiros eram
restaurar a linha de comando das forças de segurança do DF e estabilizar essas
forças, principalmente a Polícia Militar, restabelecendo a confiança da
população na instituição e da tropa em relação à Secretaria de Segurança
Pública, e eles foram atingidos. O terceiro era esclarecer os passos
administrativos, a cronologia dos fatos que levaram ao fatídico dia 8. Isso foi
concluído com a entrega do relatório”, afirmou Cappelli, lembrando que seis
inquéritos policiais militares foram instaurados para apurar a conduta dos
profissionais da área. “Daqui para a frente, a responsabilidade pela condução é
da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.” Anteriormente, Cappelli já tinha dito a veículos da Empresa
Brasil de Comunicação (EBC), incluindo a Agência Brasil, que a intervenção
também foi motivada pela "quebra de confiança" em relação à
capacidade de o Governo do Distrito Federal (GDF) garantir a segurança dos
prédios e dos servidores do Executivo federal, bem como das sedes dos poderes
Legislativo e Judiciário. E que o acampamento montado em área militar de
Brasília só não tinha sido desmontado antes devido às "ponderações"
do Comando do Exército que, segundo ele, em três ocasiões, alegou falta de
condições de segurança diante da iminência de ocorrerem confrontos. Reparação Para garantir que os responsáveis tenham como ressarcir
parte dos prejuízos decorrentes da destruição de instalações públicas e de
parte do patrimônio histórico e artístico exposto nos prédios dos Três Poderes,
a 8ª Vara da Justiça Federal em Brasília determinou o bloqueio de R$ 18,5
milhões em bens patrimoniais de pessoas e empresas investigadas por
supostamente terem ajudado a financiar os ataques de 8 de janeiro. O valor bloqueado cautelarmente atende a um pedido da
Advocacia-Geral da União (AGU) que, ontem,
pediu à Justiça Federal que eleve o montante para R$ 20,7 milhões. O acréscimo se deve ao fato da Câmara dos
Deputados ter refeito suas contas e chegado a conclusão de que, só no seu caso,
os danos foram da ordem de R$ 3,3 milhões, e não mais os R$ 1,1 milhão,
calculado inicialmente.
Até a noite dessa terça-feira, a AGU aguardava a decisão
judicial sobre essa que é uma das quatro ações que a União ajuizou contra
pessoas suspeitas de financiar ou participar da depredação. No total, a AGU
está processando 176 pessoas e ao menos sete empresas que teriam fretado parte
dos ônibus que chegaram a Brasília antes do ataque de 8 de janeiro. Alex Rodrigues/Graça/Adjuto
– Agência Brasil, com foto: Marcelo Camargo
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