03/02/2023
1ª indígena a presidir a Funai, Joenia Wapichana toma posse e já assina 9 atos para delimitação de terras
BRASÍLIA, DF - Numa cerimônia marcada pela emoção e por
discursos fortes, a deputada federal Joenia Wapichana tomou posse como a
presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). No discurso de
posse, ela prometeu reconstruir o órgão e elogiou o fato de a Funai estar pela
primeira vez sob o comando de indígenas. “Esse é o primeiro passo que a gente tem de dar. Reorganizar
a Funai. Fortalecer a Funai. Buscar orçamento para a Funai”, destacou Joenia ao
assumir o cargo. Além das restrições orçamentárias, ela citou a falta de
servidores públicos e o estoque de ações judiciais acumuladas nos últimos anos
como desafios para o órgão. “Todo esse caminho que percorremos para chegar aqui até hoje
foi longo e muito sofrido. Muitas vidas se perderam no caminho e ainda estão se
perdendo. Passamos anos de desmonte, de sucateamento, de desvalorização dos
servidores públicos”, declarou a nova presidenta. Em relação aos servidores públicos, ela prometeu a
realização de um concurso, a elaboração de um plano de carreira e disse que
trabalhará para conceder poder de polícia para os funcionários da Funai. “Os
servidores [da Funai] não têm condições de trabalhar, de não ter um salário
digno, de não ter poder de polícia. São enviados para uma área como o Vale do
Javari, onde aconteceu a tragédia do [indigenista] Bruno Pereira e do
[jornalista] Dom Phillips”, declarou. Joenia também disse que buscará orientação do Ministério
Público Federal para lidar com o estoque de processos por omissão e negligência
acumulados na Funai. “Agora vamos reverter esse papel. Em vez de perseguir
servidor, de fechar a porta para os povos indígenas, a Funai tem de estar ao
lado dos povos indígenas. Tem que ir no processo não para acusar, mas para
proteger. E esses são os novos tempos necessários para o país”, destacou. Logo após assinar o termo de posse, a nova presidenta da
Funai assinou nove atos. Desse total, sete constituem grupos de trabalho para a
identificação e delimitação de terras indígenas em seis estados: Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Pará, São Paulo e Minas
Gerais. Ela também assinou duas restrições de uso de terras indígenas
(proibições de atividades não indígenas), no Mato Grosso do Sul e no Amazonas,
e uma portaria que cria grupo de trabalho para apoiar as ações do governo
federal na Terra Indígena Yanomami. Convidados Com quase duas horas de duração, a cerimônia de posse, que
ocorreu no Memorial dos Povos Indígenas teve vários convidados. Compareceram as
ministras dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e do Meio Ambiente e Mudança do
Clima, Marina Silva; a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão;
diversos deputados e líderes indígenas. O indigenista Sydney Possuelo,
ex-presidente da Funai, também compareceu. Em seu discurso Sonia Guajajara ressaltou o aumento da
participação política da população indígena, que cada vez mais assume espaços
de poder. “A bancada do cocar está espalhada pelo Congresso Nacional e pelos
órgãos do Executivo. Isso marca de fato o novo momento, da luta. Porque a gente
hoje vê o resultado do que foram esses anos todos de mobilização, de luta, de
resistência de nossos povos”, disse. Sonia Guajajara classificou como histórica a posse da
primeira mulher indígena no comando da Funai. “Estamos construindo uma nova
história, onde nós marcamos o começo da política indígena do Brasil. Até então,
era uma política indigenista, onde outras pessoas, não indígenas, discutiam,
construíam, representavam. Hoje é a política indígena, onde nós estamos
ocupando o lugar de pensar, de construir e de executar”, destacou. A ministra Marina Silva disse que o Ministério do Meio
Ambiente trabalhará em cooperação com a Funai. “Graças a Deus, ao povo
brasileiro, à responsabilidade com a democracia, com os direitos humanos, com
os povos indígenas, com o combate à desigualdade, com a proteção da Amazônia, a
justiça social, um mundo de luta e de paz, eu e o presidente Lula estamos
unidos para trabalhar em paz pelo Brasil que a gente quer. De homens que se
respeitam, mesmo na diferença. Contem comigo e a minha equipe”, discursou. Líderes indígenas Um dos líderes indígenas de maior prestígio internacional, o
Cacique Raoni Metyktire, distribuiu o colete da Funai à nova presidenta e
defendeu a conciliação entre indígenas e não indígenas, dizendo trabalhar pela
paz e pelo convívio. “Quero pedir para que a gente fale uma língua só e
estarmos unidos pelo bem de todos nós. Repudio a violência, o ódio e a
inimizade. Nós, brasileiros, precisamos conviver em paz e de forma harmônica
neste território”, declarou. Raoni também pediu que indígenas jovens assumam cargos na
Funai para continuar a luta de seus ancestrais. “Nossos indígenas,
principalmente os mais jovens, têm que assumir este órgão e trabalhar para
nossos povos indígenas”, ressaltou. Coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR),
Enock Taurepang fez um discurso duro, em que pediu o alinhamento dos movimentos
indígenas para evitar crises humanitárias, como a do povo yanomami. “Não nos
curvamos diante do Estado. Não nos tornamos corruptos e vendidos como muitos.
Estamos numa conjuntura favorável a nós, porém isso me preocupa. Porque é na
facilidade que fica mais fácil de a inimizade entrar. É na facilidade que fica
mais fácil de a inveja entrar”, disse. Taurepang criticou influenciadores digitais indígenas que se
alinharam com o governo passado. “Precisamos falar a verdade um para o outro
porque só assim a gente vai defender de fato quem precisa. Falo em nome dos
parentes yanomami que estão morrendo. Nós estamos em um mundo tecnológico em
que o parente [indígena] se preocupa mais com like do que com a verdade. Não preciso
de like. Preciso de parceiros e amigos que vão para a luta juntos com os povos
indígenas”, concluiu. Rituais A cerimônia começou com um ritual de defumação realizado
pela pajé Mariana Macuxi, que também fez pinturas indígenas no rosto da nova
presidenta da Funai. Em seguida, houve a execução do Hino Nacional, cantado na
língua Macuxi, etnia do norte de Roraima. Duas crianças, das etnias kayapó e
xavante, entregaram uma bandeira do Brasil e uma da Funai a Joenia.
Antes de começar a discursar, Joenia recebeu uma faixa que
simboliza a união de todos os povos indígenas do Brasil. Ela foi entregue pelo
líder indígena Jacir Macuxi, um dos maiores defensores do reconhecimento da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A cerimônia terminou com a apresentação
da dança parixara por indígenas de Roraima. Wellton Máximo/Aline Leal –
Agência Brasil, com foto: Joedson Alves
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