18/03/2022
Pesquisadores estudam possibilidade de efeitos do vírus da Covid-19 na infertilidade masculina
BELO HORIZONTE, MG - Estudo iniciado em 2020 por médicos e
pesquisadores mineiros constatou que o vírus SARS-CoV2, que causa a COVID-19,
pode se alojar nos testículos de homens infectados por quase um mês, levando os
pesquisadores a classificar o órgão como um "santuário viral". O
trabalho joga luz sobre a influência do agente patogênico na infertilidade
masculina, e constatou que a doença afeta diretamente todo o tecido testicular
em pacientes que faleceram com o problema, ou seja, pacientes que se
manifestaram com a forma grave da doença. Ainda não se sabe se as formas leves e moderadas da COVID-19
têm impacto temporário ou definitivo na fertilidade dos homens. A pesquisa foi
submetida à revista científica internacional, com revisão de pares, para
possível publicação. A proposta da investigação partiu da constatação de que
diversos vírus ficam alojados no testículo, considerado um "santuário
viral". Sabendo disso, o grupo de médicos e pesquisadores capitaneados
pelo urologista Marcelo Horta Furtado, que integra o Serviço de Reprodução
Humana da Rede Mater Dei de Saúde, se debruçou sobre a literatura científica e
se deparou com um artigo sobre a identificação de alterações importantes nos
testículos de seis pacientes que morreram em decorrência da infecção por
SARS-CoV-1, em 2006. Muito antes da COVID-19 afligir o mundo, o SARS-CoV-1 foi
identificado como agente da epidemia de síndrome respiratória aguda grave
(Sars), iniciada na China no fim de 2002. A partir dessa primeira constatação, a equipe avançou na
investigação. "Após encontrarmos esse indício importante envolvendo o
vírus da SARS, outro ponto que nos chamou a atenção foi perceber que o vírus da
COVID-19, o SARS-CoV-2, usa um receptor da membrana celular, abundante no
testículo, para infectar as células humanas", diz Marcelo Furtado. Os médicos convidaram o pesquisador Guilherme Costa, do
Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e
contaram com a colaboração de uma dezena de pesquisadores da própria
universidade, além de membros da Universidade Estadual Paulista, de São José do
Rio Preto, em São Paulo, e da Faculdade de Medicina da Universidade de
Pittsburgh, nos Estados Unidos. Juntos, planejaram o estudo envolvendo
pacientes que vieram a óbito nos hospitais da Rede Mater Dei, em decorrência de
complicações da COVID-19. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê Nacional de Ética e
Pesquisa (Conep), pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Rede Mater Dei e teve o
consentimento legal dos familiares de todos os pacientes. "O objetivo era
avaliar se realmente havia acometimento dos testículos, determinar possíveis
mecanismos do dano e investigar a presença e persistência do vírus no tecido
testicular. E, para nossa surpresa, os danos ao tecido testicular foram
confirmados em todos os 11 pacientes estudados. Ele mostrou-se mais intenso de
acordo com o tempo de internação no CTI, ou seja, quanto mais tempo no CTI mais
severo o dano ao órgão", diz Furtado. Segundo o médico, durante as observações, a equipe percebeu
que todas as células testiculares dos pacientes avaliados estavam afetadas. Não
somente as da linhagem germinativa - que dão origem aos espermatozoides -, mas
também as células de Leydig, que produzem a testosterona. Notou-se, inclusive,
que a testosterona intratesticular encontrava-se bastante diminuída. "Isso nos indica que o vírus atinge a região vital para
a fertilidade masculina, comprometendo todos os tecidos que ali estão e podendo
afetar a capacidade reprodutiva do homem", acrescenta o urologista. Nanosensores e
técnicas modernas Para a confiabilidade do estudo, foram usadas técnicas como
a microscopia eletrônica, marcações imuno-histoquímicas, exames de PCR com
primers específicos e as realizadas por nanosensores desenvolvidos no
Departamento de Microbiologia da UFMG. Foi a partir daí que eles tiveram outra
surpresa. "Verificamos que o SARS-CoV-2 ainda estava presente no
tecido testicular e com alta capacidade replicativa. Retiramos uma amostra e a
submetemos a um teste em células vero, que permitem a replicação celular.
Constatamos que os vírus achados nos tecidos testiculares dos pacientes e
também nos túbulos seminíferos (túbulos onde são gerados os espermatozoides)
ainda tinham capacidade infecciosa", acrescenta Marcelo Furtado. A partir desse achado, um estudo adicional está sendo
realizado em dois grupos de pacientes: assintomáticos ou pouco sintomáticos que
tiveram diagnóstico confirmado de COVID-19, e pacientes com sintomatologia
moderada e/ou severa, com diagnóstico de COVID-19, mas que se recuperaram após
um período de internação hospitalar. Esse novo trabalho visa determinar a presença do vírus
SARS-CoV-2 no sêmen e avaliar o comprometimento da fertilidade nesses homens,
usando métodos tradicionais e de inteligência artificial. Para o urologista, a
pesquisa contribui para o entendimento do comportamento do vírus no corpo
humano e sugere alguns mecanismos celulares e moleculares pelo qual ele acomete
os tecidos.
"Contribui ainda para o desenvolvimento de novas
tecnologias para aperfeiçoar o diagnóstico de doenças virais, não apenas da
COVID-19. A pandemia nos mostrou o quanto ainda temos que avançar no
conhecimento da natureza e o quanto precisamos investir em ciência no Brasil,
que enfrenta uma concorrência com grupos de pesquisas internacionais",
afirma. EM, com foto: Ilustração/Pixabay
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