26/12/2021
Mesmo com reservatórios em recuperação, custo da conta de luz deve seguir elevado em 2022
SÃO PAULO, SP - Mesmo com a melhora do nível dos
reservatórios das usinas hidrelétricas e com o menor acionamento das
termelétricas, as contas de luz devem se manter com valores elevados nos
próximos anos, projetam especialistas consultados pelo g1. Somente as medidas emergenciais adotadas para evitar um
racionamento de energia neste ano e para socorrer o setor elétrico durante a
pandemia deixaram uma conta de, ao menos, R$ 69 bilhões a serem pagos pelos consumidores
nos próximos cinco anos, distribuídos da seguinte maneira: - Conta-Covid: empréstimo feito em 2020 para socorrer o
setor elétrico dos efeitos da pandemia. Cerca de 60 distribuidoras aderiram ao
financiamento, que totalizou R$ 14,8 bilhões. O valor está sendo pago pelos
consumidores, através de um encargo embutido na conta de luz. As parcelas serão
cobradas mensalmente até dezembro de 2025. A taxa de juros total da operação
foi 3,79% + Certificado de Depósito Interbancário (CDI, taxa próxima à Selic); - Conta Escassez Hídrica: novo empréstimo, a ser realizado
no início de 2022, para bancar os custos extras para garantir o fornecimento de
energia neste ano, quando o país precisou importar energia da Argentina e do
Uruguai e acionar todo o parque térmico disponível. O empréstimo deve ficar em
torno de R$ 15 bilhões, valor do déficit que deve ser deixado pela crise
energética. Valor será pago também pelos consumidores ao longo de cinco anos,
com juros; e - Leilão emergencial simplificado: o governo realizou um
leilão simplificado para compra emergencial de energia de reserva, com valor
total de contratação de R$ 39 bilhões. A energia será entregue de 1º de maio do
ano que vem até 31 de dezembro de 2025 e paga pelos consumidores. O leilão foi
envolto de polêmica, pois o preço médio foi de R$ 1.563,61 por megawatt hora
(MWh), valor considerado elevado por especialistas. Além dos custos deixados pela pandemia e pela crise
energética, há fatores adicionais de pressão sobre a tarifa, especialmente em
2022: - alta do preço dos combustíveis utilizados pelas usinas termelétricas
e nucleares. As tarifas de Angra 1 e 2, por exemplo, subiram 40% de 2021 para
2022, devido à alta do combustível nuclear; - disparada dos índices de inflação, utilizados para
reajuste dos contratos do setor, em especial do Índice Geral de Preços do
Mercado (IGP-M). O IGP-M acumulado de novembro de 2020 a outubro de 2021 ficou
em 21,72%, enquanto o IPCA (inflação oficial do país) acumulado no mesmo
período foi de 10,67%; - alta do dólar, usado como referência para tarifa da
energia produzida pela usina de Itaipu Binacional; e - alta dos subsídios a serem pagos pelos consumidores de
energia através da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), exceto os de
baixa renda. A Aneel propõe que os consumidores paguem R$ 28,791 bilhões,
através de encargos incluídos na conta de luz, para bancar os subsídios
concedidos pelo governo no setor de energia. Se confirmado, o valor terá alta
de 47%, ao passar de R$ 19,6 bilhões neste ano para R$ 28,8 bilhões em 2022. Medidas para amenizar A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) avalia
medidas para reduzir o impacto tarifário em 2022. A área técnica da agência vê
a necessidade de um reajuste médio de 21%, levando em conta o custo deixado
pela crise hídrica e nenhuma medida de mitigação. Segundo a Aneel, além da Conta Escassez Hídrica – que deve
reduzir o impacto tarifário em 2022, mas deixar uma conta com juros a ser paga
nos próximos anos –, pelo menos outras três medidas estão no radar para reduzir
a alta na conta de luz: - antecipação para 2022 do aporte de recursos da
capitalização da Eletrobras para reduzir encargos pagos pelos consumidores.
Antecipação seria de R$ 5 bilhões, porém o valor depende da concretização da
privatização, que pode não acontecer no ano que vem; - redução do serviço da dívida Itaipu, economia estimada em
U$ 600 mi em 2022; - uso de créditos tributários dos impostos federais
PIS/Cofins decorrentes de ações judiciais transitadas em julgado. Valor
estimado de R$ 7,7 bilhões. A agência não informou em quanto essas medidas devem ajudar
a reduzir o impacto tarifário. Especialistas avaliam Maurício Tolmasquim, professor do Programa de Planejamento
Energético da UFRJ e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética, diz que,
apesar do alívio momentâneo para as contas de luz, os empréstimos feitos pelo
setor acabam, na verdade, empurrando o problema para frente. "Claro que sobre cada uma dessas dívidas incide juros,
e você só está empurrando o problema para mais adiante. Isso deixa um problema
para o próximo governo que vier, porque tem uma série de efeitos dessas
dívidas. É uma espécie de pedalada elétrica", diz Tolmasquim. O professor também afirma que o leilão emergencial foi
precipitado, porque contratou energia por um preço muito elevado. "Foi uma contratação muito cara, foram contratadas
térmicas, a maior parte funcionando o tempo todo, com um valor de tarifa de
mais de R$ 1,5 mil por MWh. Hoje, os leilões de eólica e solar estão na casa de
R$ 100 e R$ 150. As térmicas tradicionais [custam] menos de R$ 400",
compara. "É claro que térmicas têm vantagens, podem ser operadas
quando necessárias, mas se o objetivo é encher os reservatórios, você pode
gerar energia com fontes mais baratas e renováveis", completa. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), apesar de o preço médio de contratação do leilão emergencial ter sido
de R$ 1.563,61 por MWh, houve deságio – isto é, o preço a ser pago pelo governo
será inferior ao valor de mercado da energia. Segundo a agência, o leilão resultou em economia de R$ 474
milhões para os consumidores e estão previstos R$ 5,2 bilhões em investimentos. Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE), o Brasil continua muito refém do clima. "O Brasil continua muito refém do clima na matriz
elétrica, com quase 65% da energia gerada sendo por água. A gente teve um
crescimento muito grande da geração eólica, mas que depende de vento." O especialista avalia que parte da conta deixada pela crise
energética poderia ser menor se o governo tivesse ligado antes as usinas
termelétricas mais baratas, que cobram em torno de R$ 400 por MWh. "Você lá atrás poderia ter ligado térmicas de R$ 350,
R$ 400 para encher os reservatórios, o que teria ajudado para que a crise não
fosse tão profunda e assustadora em 2021, quando teve que ligar térmicas de R$
2 mil”, explica. O Ministério de Minas e Energia (MME) afirma que desde
outubro de 2020 o país vem ligando térmicas a fim de preservar águas nos
reservatórios, além de importar energia da Argentina e do Paraguai. Sobre as medidas de mitigação em estudo pela Aneel,
Tolmasquim lembra que algumas já foram adotadas em 2020 e que não será possível
contar com isso para sempre. "São medidas pontuais e incertas",
afirmou.
Pires acredita que, se o país corrigir as suas deficiências
no setor elétrico, a partir de 2026 será possível ter mais segurança energética
e preços menores. g1, com foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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