26/12/2021
Famílias fazem fila de cinco quarteirões por ossos e cesta básica em açougue de Cuiabá
CUIABÁ, MT - Às vésperas do Natal, a fila de famílias
esperando doações de ossinhos em um açougue no Bairro CPA 2, em Cuiabá, cresceu
mais de 60%. Algumas pessoas chegaram na tarde do dia anterior e outras durante
a madrugada. Eram tantas pessoas à espera, nesta quinta-feira (23), que a fila
se estendia por cerca de cinco quarteirões. A fila começou a ter repercussão em julho deste ano, aliado
ao crescimento do desemprego. Desde então, o número de interessados só
aumentou. E, na última segunda-feira (20), a Secretaria de Assistência Social
do município fez um levantamento, apontando que havia 160 famílias que
dependiam dessa doação e passaram a ser monitoradas pelas instituições de assistência
social. Mas, nesta quinta, a equipe do açougue que trabalha na
organização dos beneficiados distribuiu 402 senhas, ou seja, o número de
pessoas que compareceram no local hoje foi mais de 60% maior que o que buscou
doação no início da semana. É que, além dos ossinhos doados pelo açougue, foram
entregues cestas básicas. Entre os interessados estavam mulheres, idosas, negras, com
crianças menores ou com bebês de colo. Uma mãe amamentou o filho enquanto
esperava a doação. Até cachorros também circulavam pela rua, seguindo os donos. Durante a ação, um idoso chegou em uma charrete. Ele amarrou
o cavalo em uma rua lateral, e seguiu para a fila. Cada pessoa recebeu três cestas básicas. O kit completo,
contendo alimentos básicos, produtos de limpeza, marmitex e um saco com
ossinhos. A organizadora das doações do açougue, Samara Rodrigues de
Oliveira, 38 anos, contou ao g1 que a fila é uma demonstração da falta
políticas públicas sociais a fim de diminuir o número de pessoas em situação de
vulnerabilidade social. “As pessoas não têm instrução, alguns não sabem nem ler a
senha que entregamos. Como ela vai buscar acesso ao benefício social? Eles (o
governo) é quem têm que virem aqui. O estado tem condição de ir na casa das
pessoas. Aqui é uma ponte. É pegando da raiz do problema que a gente diminui
essa fila. Não é só fome”, afirmou. As primeiras pessoas da fila eram duas cadeirantes. As doações começaram a ser distribuídas por volta de 9h.
Vizinhas unidas Vizinhos e amigos se unem para ir até o local, que duas
vezes por semana distribui ossos para famílias carentes. Alguns vão de carona e
outros a pé, em grupos. Duas aposentadas, que são mudas, de 62 e outra de 45, foram
juntas até o açougue. Elas são vizinhas e também estão passando por dificuldades
financeiras, sem ter o que comer. Elas dependem de intérpretes ou quem
minimamente consiga compreender os gestos que elas fazem. Um menino aparentando ter 13 anos foi retirar uma cesta
básica para levar ao pai, que é idoso e está de cama. Ele não pôde receber a
senha porque era menor de idade, mas os moradores na fila pediram que ele
recebesse. Os idosos tinham dificuldades em levar três sacolas cheias
de alimentos e produtos de limpeza. Alguns derrubaram os alimentos na rua e na
calçada. Outros abriram as marmitas e comeram ali mesmo, porque estavam com
fome. Pobreza em números Em Cuiabá, mais de 92 mil famílias estão cadastradas no
programa de assistência social do governo federal, o Cadastro Único (CadÚnico).
Ainda há pessoas que não estão cadastradas nos programas, o que abre margem
para a subnotificação e, possivelmente, o aumento da vulnerabilidade social
através da invisibilidade. São 18.385 famílias vivendo em extrema pobreza, em Cuiabá, o
que significa 16,9% da população cadastrada no CadÚnico, segundo o Laboratório
de Visualização e Georreferenciamento de dados do Sistema Único de de Assistência
Social (GeoSUAS-MT), da Secretaria Estadual de Assistência Social e Cidadania
(Setasc). Já em situação de pobreza são 14.241 famílias, sendo 13,1%
da população. Em baixa renda, são 26.310 pessoas, representando 24,2%. Doações As doações de cestas básicas reuniu diferentes organizações
não-governamentais e até iniciativas próprias. O grupo de jovens Tropa do CPA contribuiu na arrecadação e
organização, bem como os 14 voluntários do Instituto Canopus, que atua na
contribuição social e cultural com dignidade às pessoas.
A igreja Mundial também esteve presente, fazendo orações e
exaltando a fé entre os moradores. Uma digital influencer apareceu com 93
cestas básicas. g1, com fotos: Rogério Júnior/g1
|