08/12/2021
Bolsonaro chama passaporte da vacina de “coleira”, mas governo ignora declaração
BRASÍLIA, DF - O governo federal anunciou nesta terça-feira
(7) que pedirá quarentena de cinco dias para viajantes não vacinados que saiam
de outros países e desembarquem no Brasil. Segundo o governo, a ideia é
promover uma "reabertura das fronteiras" em razão dos índices atuais
de vacinação da população brasileira. O pronunciamento dos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e
Marcelo Queiroga (Saúde) foi marcado por fortes críticas às recomendações de um
"passaporte da vacina" e de maior rigidez na exigência da vacinação. Mas, na prática, segundo técnicos da Anvisa ouvidos pela TV
Globo, o novo protocolo anunciado pelo governo parece atender às recomendações
que vêm sendo feitas, há mais de um mês, pela agência reguladora e por
especialistas. No pronunciamento, Queiroga e Nogueira não fizeram qualquer
menção à exigência de um "passaporte da vacina". Foram anunciadas duas
medidas: - exigir teste negativo do tipo RT-PCR, realizado até 72
horas antes, para os passageiros que venham do exterior e desembarquem no
Brasil; - exigir quarentena de cinco dias para os indivíduos não
vacinados que cheguem ao país, seguida de um teste RT-PCR. Se o resultado for
negativo, o passageiro é liberado para transitar em solo brasileiro. O anúncio mantém as regras que já estavam em vigor para os
passageiros vacinados (exigência de teste negativo e declaração de saúde) e
adiciona essa quarentena de cinco dias para os passageiros sem vacina. A
atualização do protocolo ainda não foi publicada no "Diário Oficial da
União". Em nota após o pronunciamento, a Anvisa afirmou que
"aguarda a publicação da nova portaria sobre atualização das medidas
excepcionais e temporárias para entrada no País como forma de enfrentamento da
Covid-19" – ou seja, que não conhece o conteúdo da nova portaria. Segundo apurou o blog da Ana Flor no g1, o Palácio do
Planalto só procurou a agência reguladora para pedir ajuda na elaboração das
novas regras após o fim do pronunciamento. Até agora, para entrar no Brasil, todos os viajantes
(brasileiros ou estrangeiros) precisavam apresentar apenas a Declaração de
Saúde do Viajante (DSV), que pode ser preenchida no site da Anvisa, e um exame
RT-PCR negativo realizado até 72 horas antes do embarque. "É necessário defender as liberdades individuais,
respeitar os direitos dos brasileiros acessarem livremente as políticas
públicas de saúde. E é assim, como falou o ministro Ciro Nogueira [Casa Civil],
que já conseguimos imunizar com as duas doses cerca de 80% da população
brasileira acima de 14 anos, a nossa população vacinável, mais de 175 milhões
de habitantes", declarou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O g1 questionou o Ministério da Saúde e a Anvisa, mas os
órgãos ainda não responderam: - como e onde será feita a triagem entre vacinados e não
vacinados; - qual a diferença entre essa triagem e o "passaporte
vacinal" recomendado pela Anvisa; - como vão ser feitos o encaminhamento e o monitoramento da
quarentena dos não vacinados. Sinais trocados Apesar de ter anunciado medidas que, em tese, se assemelham
ao "passaporte da vacina" defendido por especialistas, o ministro
Marcelo Queiroga dedicou a maior parte do pronunciamento a criticar a exigência
de vacinação para brasileiros e estrangeiros. "Então, esse enfrentamento da pandemia, ele não diz
respeito apenas a um chamado 'passaporte' que mais discórdia do que consenso
cria. É necessário defender as liberdades individuais, respeitar os direitos
dos brasileiros acessarem livremente as políticas públicas de saúde",
disse Queiroga. O ministro disse que não se poderia "discriminar as
pessoas" não vacinadas porque a imunização não impede totalmente a
transmissão. "Então, não se pode discriminar as pessoas entre
vacinadas e não vacinadas para, a partir daí, impor restrições. Até a ciência
já sabe que as vacinas não impedem totalmente a transmissão do vírus. O ideal é
que impedisse, já estaríamos com o problema resolvido no Brasil. Infelizmente
não impede. As pessoas podem, mesmo vacinadas, adquirir a doença e podem
transmitir", disse. A Anvisa e os especialistas de todo o mundo reconhecem,
desde o início da vacinação mundial contra a Covid, que as doses não têm
eficácia de 100%. A Organização Mundial de Saúde (OMS), no entanto, vem
reafirmando que não há razão para duvidar das vacinas, inclusive contra a
variante ômicron, e que elas são um instrumento fundamental para o fim da
pandemia. OMS defende conjunto
de medidas No pronunciamento, Queiroga afirmou que a própria OMS havia
se posicionado contra o fechamento das fronteiras para barrar a disseminação do
coronavírus e da variante ômicron. "Nós nos reunimos diversas vezes para buscar uma tomada
adequada de decisão. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS), a respeito
da variante ômicron [...] já se pronunciou a esse respeito, dizendo da
responsabilidade que se deveria ter ao impor restrição a cidadãos que
eventualmente não tomaram as suas doses de vacina", afirmou Queiroga. "Não se pode discriminar as pessoas entre vacinadas e
não vacinadas para a partir daí impor restrições. Até pq já se sabe que
infelizmente a vacina não impede transmissão", prosseguiu o ministro. O ministro não apresentou, no entanto, a íntegra do
argumento defendido pela OMS. A organização também pediu aos países que
aumentem a capacidade de seus serviços de saúde e vacinem sua população para
combater o aumento de casos provocados pela variante ômicron. A organização disse também que as restrições às viagens
podem ganhar tempo, mas que por si só não são a resposta. "A [variante] delta é responsável por 99% das infecções
em todo o mundo", disse a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan.
"Ela teria que ser mais transmissível para competir e se tornar dominante
em todo o mundo. É possível, mas difícil de prever." Exigência é
'coleira', diz Bolsonaro Pouco antes do pronunciamento dos ministros, o presidente
Jair Bolsonaro afirmou em cerimônia no Palácio do Planalto que o passaporte da
vacina, adotado em outros países, seria uma "coleira" para a
população. "Nós vemos uma briga enorme aqui agora sobre passaporte
vacinal. Quem é favorável, não se esqueça: amanhã alguém pode impor algo para
você que você não seja favorável. E a gente pergunta: quem toma vacina pode
contrair o vírus? Pode e contrai. Pode transmitir? Sim e transmite. Pode
morrer? Sim, pode, como tem morrido muita gente, infelizmente. A gente
pergunta: por que o passaporte vacinal? Por que essa coleira que querem colocar
no povo brasileiro? ", indagou. Mais cedo, pela manhã, o presidente distorceu a proposta da
Anvisa do passaporte da vacina, dizendo que a agência estava sugerindo
"fechar o espaço aéreo" do Brasil. Procurada, a agência negou ter
feito essa proposta.
No último dia 1º, a Anvisa reforçou a recomendação enviada à
Casa Civil para que o Brasil adote medidas mais rigorosas no acesso de
viajantes ao país a fim de evitar o aumento dos casos de Covid-19 após a
descoberta da variante ômicron. g1, com foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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