13/10/2021
Carcaça, pé de galinha, pescoço e carne de boi de 3ª tiveram aumento de até 100% em 18 meses
SÃO PAULO, SP - A alta dos preços da carne refletiu nos
valores dos cortes de segunda e de terceira. Açougues relatam que carcaça
temperada, pé de galinha e pescoço, entre outras partes de boi, vaca e porco,
tiveram um aumento de procura e também encareceram. Não há dados nacionais sobre esses cortes. Em São Paulo, o
pescoço de frango teve elevação 15,79% no preço em setembro na comparação dos
12 meses, segundo a consultoria Safras e Mercados. A carcaça temperada de frango subiu 45%, o dorso, 60%. Entre
os suínos, a maior alta foi no espinhaço (23,91%), que é a "coluna"
do porco, e na orelha (20%). “Nas lojas de São Paulo, Minas, Mato Grosso, Goiás, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, todos confirmaram que essas carnes foram mais vendidas
por conta da crise", diz o cofundador da Rede Mais Açougues, Diego
Moscato. O pé de frango lidera, com um crescimento de 26% no consumo. A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) não
disponibiliza dados sobre esses cortes e a pesquisa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) se restringe a carnes de primeira e de segunda
ou ao produto como um todo, no caso do frango e porco. A realidade dos
açougues A Rede Mais Açougues, com unidades em 10 estados, diz que as
'carnes de ossos', como eles classificam as partes menos (ou nada) nobres,
ficaram 100% mais caras entre o início da pandemia e agora. Segundo Moscato, o confundador, com a alta da procura, foi
preciso equiparar o valor desses cortes com o restante das carnes. O empresário conta que a venda de carnes de primeira, como a
maminha, teve uma queda de 22%. Para ele, o consumo ainda é sustentado pelas
unidades que ficam em regiões de classes A e B. O abandono da carne vermelha foi a saída para 67% dos
brasileiros economizarem nas refeições, de acordo com a pesquisa Datafolha
divulgada em 20 de setembro. A alta acumulada no preço da carne bovina chegou a 36% entre
agosto de 2020 e 2021, segundo o IBGE. O frango encareceu até mais nesse
período: 40,4%. O ovos subiram 20%. “Tivemos uma mudança radical depois do aumento da carne. Eu
vendia boi. Muita gente migrou para porco, frango, reduziu a quantidade de
carne mais cara e o pessoal começou a reduzir carne mais em conta, sim”, relata
Elizangela Neres, dona de um açougue em Paiva (MG). “O salário das pessoas da minha cidade não é compatível.
(Para) quem ganha salário mínimo está difícil comer carne. Vamos ser realistas,
tem que migrar, reduzir gastos. Acho que esse está sendo o pensamento dos
consumidores”, diz. A também açougueira Dinabi Melanias, de Várzea Grande (MT),
aponta que o acém - considerado carne de segunda - , o frango e o pescoço de
galinha se tornaram os carros-chefes. Na loja de Nazareth Aparecida, em Belo
Horizonte, os consumidores buscaram mais suínos e pé de frango. Além disso, os miúdos, como o fígado, e os processados, como
a salsicha, também tiveram uma boa procura, segundo o açougueiro Alvimar
Gaspar, do Rio de Janeiro. Ossos e a fome Imagens de pessoas buscando ossos que costumavam ser
descartados por frigoríficos e açougues (veja o destino ao fim da reportagem)
viraram um retrato da realidade de famílias de baixa renda nos últimos meses. Mas, não é de hoje que a carne está cara, nem é recente o
consumo de ossos como única opção para a população mais pobre, de acordo com o
diretor-executivo da ONG Ação Cidadania, Rodrigo “Kiko” Afonso. “R$ 170 é a média do Bolsa Família, com isso, vamos
combinar, como compra comida para a família, paga o aluguel, roupa, transporte
para arrumar emprego? Independente do preço da carne, já não poderiam comprar
com o preço anterior”, afirma. "Já tinha uma defasagem enorme do salário dessas
pessoas. Com o aumento tirou toda a possibilidade dessas pessoas se alimentarem
de arroz, feijão, carne e etc”. Além de doações, existe a venda dessa mercadoria. A prática era uma exceção para o açougueiro obter um retorno
em cima do que seria descartado, mas, com a elevação generalizada dos preços,
acabou se tornando uma regra e dificultando o consumo dos mais pobres, afirma o
pesquisador do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre)
Matheus Peçanha. Em Santa Catarina, a Procuradoria de Proteção e Defesa do
Consumidor (Procon) emitiu uma recomendação para que os estabelecimentos doem
os ossos e não os vendam. O comunicado foi feito após um açougue em Florianópolis
estampar o cartaz ''Osso é vendido, e não dado" na loja e viralizar nas
redes sociais. A mensagem foi retirada após a polêmica. A base para a recomendação do Procon é que a prática pode
ferir Código de Defesa do Consumidor por exigir dele "vantagem manifesta
excessiva". Recordes no agronegócio e fome no Brasil: como isso pode
acontecer ao mesmo tempo? Contudo, a venda de ossos não é ilegal, segundo o Ministério
da Agricultura. Mas eles devem ser inspecionados e "ter procedência de
local regularizado, com inspeção federal (SIF), estadual (SIE) ou municipal
(SIM)", diz a pasta, em nota ao g1. Dieta pobre Parte da população recorre aos ossos para ter uma proteína
nas refeições e, de fato, esses produtos possuem resquícios de proteína animal,
explica a doutora em nutrição e professora da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) Ingrid Dantas. Mas uma dieta restrita de ossos pode levar à desnutrição.
Isso porque, além de pobres em proteína, eles são ricos em gordura. Após o cozimento, diz a especialista, esses restos de
proteína grudados aos ossos se solubilizam, gerando no caldo, mas os nutrientes
estão em quantidades insuficientes, já que são apenas resquícios da carne. Além disso, o consumo excessivo de ossos pode acabar
prejudicando a saúde, já que a medula óssea é rica em gordura. “Então, a gente vai ter duas facetas da desnutrição: a
proteico energética - onde pode estar tendo um baixo consumo de proteína - e a
desnutrição que pode levar à obesidade por conta de um consumo maior de
gordura”, afirma. Segundo a nutricionista, este tipo de alimentação fere o
artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 6 da
Constituição Federal, que determinam que todos têm direito a uma alimentação
adequada e, no caso da Constituição, que este direito deve ser protegido pelo
governo. Não somente os ossos, os açougues também têm relatado um
consumo maior de processados, como salsichas. A nutricionista explica que isso
também faz mal à saúde. “Apesar de trazer um aporte proteico para quem está consumindo,
vem com isso a ingestão exagerada de gordura e sal, além dos aditivos que estão
presentes nos produtos e podem gerar um quadro de desnutrição direcionadas à
obesidade”, diz. O caminho dos ossos Quando não são voltados à venda, os ossos, após a desossa,
seja no frigorífico ou em açougues, são direcionados para indústrias de
rendering, que transformam os subprodutos do animal em novas mercadorias,
explica Augusto Antoniazzi, diretor industrial do frigorífico Zimmer. Ele relata que as peças normalmente são divididas entre
dianteira, traseira e costela, e, nesse processo, a indústria frigorífica é
responsável pela desmontagem do animal. O direcionamento para o rendering ou, como também é
conhecido, graxaria ocorre logo após serem feitos os cortes que dividem a carne
que chega até a casa do consumidor, como a maminha e o coxão mole. Vão para rendering, portanto, os ossos, membranas e partes
retiradas do animal durante o processo de limpeza. Na indústria, os ossos passam por um cozimento e a prensagem,
onde eles são separados do sebo, que por sua vez, é usado na indústria de
cosméticos e biodiesel, por exemplo. Já os ossos seguem para a moagem, onde são
transformados em farinha para a alimentação animal. “É um processo de reciclagem. Em frigorífico tudo se
reaproveita, desde a água até todos os pedaços do animal, não tem descarte,
tudo tem um reuso”, afirma.
Antoniazzi explica que esta destinação é feita porque não é
costume de o brasileiro consumir ossos. Porém, o caminho para a indústria de
rendering não é obrigatório. O açougue ou o frigorífico pode encaminhar o
produto para lixões ou doações também, por exemplo. g1, com foto: Reprodução/Fantástico
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